Um Gentleman em Moscovo (Amor Towles)


Frequentemente, aqueles que desfrutam da espuma dos dias, que sabem e se dedicam a apreciar a vida nos seus mais ínfimos e deleitosos pormenores, ostentando o tipo de riqueza insusceptível de despojamento e/ou apropriação por outrem, instigam o desdém de outros cujas vidas submergem numa labuta feroz, indubitavelmente digna, mas tantas vezes embrutecedora. 

O tipo de labuta que exige uma entrega fervorosa, devota e absoluta, rejeitando e reprimindo quaisquer outros modos de ser ou estar, não vá a dúvida - ou a constatação - de um certo tolhimento ou pequenez instalar-se e fazer colapsar todo um mundo de convicções, dedicação, entrega e sacrifício.

Vyshinski: Qual é a sua profissão?  
Rostov: Um cavalheiro não tem profissão.
Vyshinski: Muito bem. Então, como é que ocupa o seu tempo?
Rostov: Com jantares, conversas, leituras, reflexão. O habitual.

Condenado pela publicação de um poema, nos primeiros anos do regime Soviético, a viver no interior do Hotel Metropol, onde anteriormente ocupava uma suite de luxo, o Conde Rostov é remetido para um pequeno quarto de arrumos no sótão, onde passará longos anos a partir de então. Em todo esse tempo Rostov nunca perde o domínio - inequívoco e inabalável - sobre si próprio e a sua individualidade. Nenhuma centelha de raiva ou de revolta se vislumbra no seu comportamento, no seu pensamento, na postura que mantém ao longo de anos de subjugação, a que opõe uma absoluta liberdade interior, numa demonstração clara de que nós não somos as nossas circunstâncias, mas aquilo que escolhemos fazer delas. 

Simultaneamente, e contrastando com esta visão alheada dos acontecimentos exteriores, há uma voz de fundo que nos vai dando nota de todas as pequenas e grandes contradições do desejo e da ambição (política, social e individual) que tragicamente se atropelaram na tentativa de implementação de uma revolução. Uma revolução feita por homens, incongruentes e imperfeitos, como todos os homens são. 

Pontuação: 9/10
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A Morte do Pai: A Minha Luta: 1 (Karl Ove Knausgärd)

A natureza humana continua a ser, para mim, uma fonte inesgotável de interesse e atracção. Há coisas que intuímos em nós, mas que nem sempre passa disso, um ténue vislumbre intuitivo. Outras, nem chega a tanto. A percepção clara e inequívoca de toda uma infinidade de modos de ser ou estar, de sentir, de pensar, de viver, chega-nos pela voz de terceiros.

E ali estava eu, a desempenhar papéis, a fingir isto e aquilo. (...) O pouco que tinha de meu, renegava-o ou guardava-o para mim mesmo. Havia, por conseguinte, algo de furtivo e duvidoso no meu carácter, não tinha nenhum dos atributos sólidos que encontrei em certas pessoas durante essa época, pessoas que, por essa razão, admirava.

A escrita autobiográfica, quando efectivamente genuína e lúcida, torna-se uma das vias mais interessantes de conhecer essa imensidão de mundos subjectivos. Neste que é o primeiro de seis volumes, Carl Ove - que aqui se dá a conhecer de forma honesta e crua - faz uma incursão pelo período da sua infância (fria e solitária) da juventude (as descobertas e experiências iniciáticas, a par com a perda das primeiras ilusões) e entrada na idade adulta.

Quando chegava a casa, interpretava tudo o que ela dissera e fizera na escola, e isso enviava-me para a mais profunda miséria ou para o mais elevado pico de excitação - não havia meio termo.

A morte do pai, que ocupa neste livro um lugar central, relança o olhar sobre as relações familiares do passado, agora vistas numa perspectiva adulta e um pouco mais esclarecida - por oposição ao misto de confusão e receio que toldava o olhar no tempo em que foram vividas - um emaranhado de laços soltos, desconexos e arredios que Ove esforçadamente procura compreender.

Ele dissera muitas vezes que o  nosso pai lhe arrasara por completo a auto-estima em muitas ocasiões, que o humilhara como só ele conseguia fazer, e que isso influenciara alguns períodos da sua vida em que se sentia um inútil e incapaz de fazer fosse o que fosse. Noutros períodos, tudo corria bem, tudo fluía, não havia dúvidas. Para quem estava de fora, só estes últimos eram visíveis. 

Pontuação: 8/10
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A Mulher Certa (Sandor Márai)

Assim como acho importante saber de que forma duas pessoas se conheceram, também me parece interessante saber de que forma um determinado livro chegou até nós. Sem esse elo muito particular, tantas vezes contingente e aleatório, esse feliz encontro nunca teria acontecido.

A leitura da Mulher Certa resultou de uma conversa com uma colega do meu grupo de leitores a propósito de um livro de Graham Greene (O Fim da Aventura), que estive à beira de abandonar até perceber, a meio do livro, que toda a história que até ali havia sido contada por um dos protagonistas - a mulher de uma conturbada relação amorosa - iria ser (re)contada pela outra parte - o homem, no caso - colocando-nos nessa posição tão privilegiada quanto rara que nos permite ter uma visão exacta dos dois lados da história: não apenas dos factos e eventos externos, mas também de tudo aquilo que se passava no íntimo de cada um dos personagens.


No apartamento estava tudo no seu lugar, só que as divisões pareciam vazias (...). Não são os móveis que dão vida a uma casa, mas o sentimento que anima as pessoas que nela habitam.

O mesmo se passa n' A Mulher Certa. É a história de um casal que se desfaz, dando origem a uma outra relação, que começara por ser paralela, e acaba, por sua vez, também por fenecer. A história - qualquer uma delas - é triste, mas é extremamente feliz a forma como a mesma nos é apresentada, como nos é contada, à vez, por cada um dos membros do trio amoroso.

Esse estado de relativa felicidade em que eu vivera e sofrera nos últimos anos, devorada pela angústia, porque essa falsa felicidade me parecia intolerável, agora, desvanecera-se, não existia mais - subitamente eu apercebia-me disso -, fora o máximo que a vida pudera oferecer-me.

Sándor Márai é exímio em revelar-nos a complexa teia de sentimentos e infindável miríade de pensamentos, emoções, desejos e anseios que habitam os recantos mais profundos dos seus personagens, colocando-nos no papel de confidentes circunstanciais e privilegiados dos protagonistas do seu romance.

Pontuação: 8/10
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Homo Deus - História Breve do Amanhã (Yuval Noah Harari)

Homo Deus é simplesmente brilhante. Começando por uma magnífica aula de história sobre os problemas que assolaram o mundo - a fome, as epidemias e a guerra - passando para uma projecção do que nos espera num futuro que se avizinha a passo rápido, mas que nos parece tão longínquo no pequeno espaço de uma vida e da capacidade que a nossa imaginação tem de ultrapassar as fronteiras daquilo que conhecemos no tempo que habitamos.

Ao contrário do que se passa numa tradicional aula de história, Harari fala-nos num tom empolgante, com um entusiasmo que contagia e inevitavelmente capta o nosso interesse e atenção, brindando-nos com uma espreitadela a este futuro próximo, onde o envelhecimento pode vir a ser considerado uma maleita - tratável como tantas outras - e a felicidade universalmente acessível através de um simples comprimido. Um futuro que provavelmente não conheceremos de outra forma que não esta, da mera antevisão possível. 

Se com SapiensYuval Harari nos fez sentir afortunados por vivermos na era actual, em Homo Deus não conseguimos deixar de sentir alguma pena - para não dizer uma pontinha de inveja - por não estarmos no lugar daqueles que poderão ter o privilégio de conhecer esses apelativos tempos vindouros. 



Ao longo de muitas gerações, o nosso sistema bioquímico adaptou-se para nos garantir as melhores hipóteses de sobrevivência e reprodução e não para nos tornar felizes (…) O que teria acontecido se uma mutação rara tivesse criado um esquilo que, ao comer uma noz, ficasse satisfeito para sempre? Do ponto de vista técnico, isto é possível se se alterar a configuração cerebral do esquilo. Quem sabe se isso não terá acontecido há milhões de anos a um esquilo sortudo. Mas, se aconteceu, o esquilo levou uma vida feliz e extremamente breve e essa mutação rara ficou por aí, porque o esquilo abençoado não se iria dar ao trabalho de procurar nozes, quanto mais companheiros sexuais. É por essa razão que as nozes que os humanos tentam juntar – empregos bem pagos, grandes casas e parceiros atraentes – raramente os mantêm satisfeitos por muito tempo.

Pontuação: 9/10
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A ridícula ideia de não voltar a ver-te (Rosa Montero)

Este é um daqueles livros que poderiam integrar a categoria de confort books. À semelhança do que acontece com a confort food, não é fabuloso, do ponto de vista nutricional, mas sabe bem e há dias em que não há nada que queiramos mais.

É um livro que se lê de uma penada. Parece uma espécie de companhia que trazemos no bolso, que fala connosco de cada vez que o abrimos. É claro que todos os livros fazem isso, de uma forma ou de outra, mas há aqueles para onde espreitamos de longe, como se ninguém, no enredo, se apercebesse de que estamos ali, e há aqueles, como este, em que a autora se nos dirige directamente e conversa connosco, do princípio ao fim.

É um livro ligeiro - com tudo o que isso tem de bom e mau - mas cheio de conteúdo. E nesse campo, já não poderei dizer que seja ligeiro. A autora aborda a vida de Marie Curie - quem era, de onde veio, para onde foi e por onde passou - numa época em que o mundo não estava feito para mulheres como ela, com as suas ambições pessoais, profissionais, académicas, intelectuais, etc.

Marie Curie teve um percurso notável a todos os níveis e é um privilégio conhecer os meandros de uma vida assim, contado por alguém que não se cinge aos feitos científicos, mas que olha para a mulher que alcançou e viveu esses feitos, à mistura com outros tantos, de que é composta uma vida.

Rosa Montero intercala a vivência do luto de Marie Curie, com base no diário escrito por esta após o falecimento do marido - «por momentos a minha dor parece que enfraquece e adormece, mas logo renasce, tenaz e poderosa» - com a sua própria experiência de luto, também por morte precoce do marido - «ainda não passara um mês sobre a morte de Pierre e a primavera explodia com aquela desconcertante indiferença com que a vida continua depois da morte de alguém querido» - entrelaçando uma e outra de forma sensível, emotiva, terna e inteligente.

A vida - seja ela qual for - está repleta de momentos difíceis, espinhosos e dolorosos. Não há como evitá-lo. O importante é saber lidar com todas essas coisas que nos acontecem. E é esse o conforto que se retira de um livro assim, o perceber que cada uma destas pessoas foi capaz de lidar com as suas circunstâncias, por vezes tão duras, tão agrestes, tão adversas. E acreditar que alguma dessa sabedoria, por ínfima que seja, fique connosco. 

«A vida abre caminho com a mesma obstinação com que uma plantinha minúscula é capaz de rasgar o chão de cimento para se assomar. Mas, ao mesmo tempo, a mágoa também segue o seu curso. É é isso que a nossa sociedade não gere muito bem: escondemos ou proibimos, imediata ou tacitamente, o sofrimento.»

Pontuação: 9/10
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Servidão Humana (Somerset Maugham)

Para Espinosa a servidão era a impotência do ser humano para governar ou restringir as suas emoções: o homem submetido aos afetos é impotente para regulá-los, está ao sabor do vento, incapaz de dosar, ordenar os afetos aos quais, por fim, se submeteÉ esta a origem do título deste romance magistral de Somerset Maugham, onde acompanhamos a vida de Philip Carey, desde os primeiros anos - uma criança franzina, solitária, insegura, entregue aos cuidados de um tio vigário, austero e frio - até à idade adulta, altura em que tropeça numa jovem camareira, sedutora e ambiciosa, que o priva da liberdade singular sobre si próprio

Sendo embora um homem adulto e esclarecido, Philip torna-se um joguete nas mãos caprichosas desta mulher que não o quer, mas não o liberta do jugo férreo em que o retém, gravitado à sua volta, na expectativa de qualquer coisa que de lá não vem.  

Era-lhe divertido pensar que os amigos o consideravam um espírito forte, um ser reflectido e calmo, simplesmente porque o seu rosto não lhes revelava os sentimentos com muita expressão e porque era lento nos gestos. Achavam-no razoável e elogiavam-lhe o bom senso. A sua expressão plácida, porém, não era mais do que uma máscara, usada inconscientemente (...) e frequentemente se admirava da fraqueza da sua vontade. Parecia-lhe que a menor comoção o movia como o vento move as folhas, e, quando a paixão o arrastava, sentia-se impotente. 

Uma história de vida, como tantas outras, marcada por momentos de escuridão, dúvida, revolta e desespero, ponteada pelo despertar da consciência - de si próprio e dos outros - pela determinação para abrir mão de desejos tão arreigados quanto nefastos, para abandonar caminhos há muito calcorreados e descobrir novos trilhos possíveis. Ao longo desse processo, Philip observa e reflecte sobre o mundo à sua volta, de forma única e profunda. 

A má alimentação e as condições insalubres de existência reflectiam-se nas faces descoradas. Interesses mesquinhos embruteciam-lhes as feições, e os olhos eram astutos e fugidios. O aspecto desses entes não traduzia nobreza alguma, sentindo-se que, para a maioria deles, a vida era uma série de preocupações insignificantes e de pensamentos abjectos.

Estes são as linhas gerais que recordo da história. Mas mais importante do que isso, o que retenho e faz deste livro uma verdadeira obra prima, é a sensação de ter visto o mundo pelos olhos de Philip - desde as costuras do conservadorismo britânico à desregrada vida boémia de Paris - de ter sentido na pele todas as emoções e conflitos interiores - as ilusões e as desilusões, as angústias e arrebatamentos - tudo aquilo que viveu e sentiu ao longo do percurso assombroso que acompanhamos nas páginas deste romance. É a sensação de ter vivido uma vida que não era a minha (nunca poderia ser) de um ser humano absolutamente extraordinário - com todas as suas limitações, fraquezas, vulnerabilidades e imperfeições - que a despeito dos muitos obstáculos e adversidades que se lhe atravessam no caminho, não desiste de encontrar o seu lugar no mundo. 

Pontuação: 10/10
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Luz antiga (John Banville)

A vida é feita de pequenas e grandes contradições, incoerências várias, discrepâncias incontornáveis (entre o que pensamos e o que fazemos, entre o desejo e a acção). É disto, todas estas pequenas fagulhas, que é feita a massa humana, e são estes elementos, muito em particular, que a literatura consegue captar, como nenhuma outra forma de arte alguma vez conseguirá.

Não suportaria perde-la. Sabia que era o momento de me levantar e de a envolver nos meus braços, não para a tranquilizar - que me importava o medo dela? - mas para a impedir à força de partir. No entanto, assaltara-me uma letargia peculiar, a aterrada letargia que se apodera do nervoso ratinho quando olha apavorado para cima e vê o falcão a pairar não muito longe, e não conseguia fazer nada senão ficar ali sentado à observá-la, enquanto ela pegava enfiava as cuecas sob o vestido e se baixava para pegar nos sapatos de veludo.

Luz Antiga decorre em dois momentos temporais, separados por cerca de meio século de existência. Um homem recorda o romance tórrido que manteve com a mãe de um amigo de liceu, uma ligação ao mesmo tempo superficial e intensa (porventura o seu único amor, mas ainda assim difícil de classificar como tal) movida por emoções levianas e pueris, mas simultaneamente violentas na sua expressão.

Já me tinha visto chorar, mas de raiva ou porque queria que ela se submetesse às minhas vontades, não assim, daquela forma vil e indefesa, e suponho que inconscientemente se lembrou de que, no fim de contas, eu era um miúdo, um miúdo que ela conduzira para águas muito, muito profundas, em que dificilmente saberia nadar.

Paralelamente, traz-nos rasgos da existência presente desse homem, em tudo tão diferente da juventude e impetuosidade feroz do início da adolescência. Neste interstício, percebemos que há um universo de distância entre o que recordamos e o que aconteceu.

Era aquele tipo de sentimento que eu recordava quando era jovem e tudo era novo e o futuro não conhecia limites, um estado de temerosa e exaltada espera (...). O que é que hoje me batera ao de leve no ombro com o seu diapasão? Era o passado, de novo, ou seria o futuro?

Pontuação: 7/10
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12 Regras para a Vida (Jordan B. Peterson)

Não é verdadeiramente um antídoto para o caos, muita coisa fica de fora para que possamos considerar o mundo um pouquinho mais organizado, mas não deixa de ser uma boa base de reflexão - essa prática hoje tão caída em desuso - sobre o mundo que nos rodeia, sobre o que nos antecedeu, sobre nós próprios, o nosso semelhante e a interacção de todos estes elementos.

É assim a natureza humana. Partilhamos a experiência da fome, da solidão, da sede, do desejo sexual, da agressão, do medo e da dor.(...) Mas temos de escolher e organizar os nossos desejos, porque o mundo é complexo e obstinadamente real. Não podemos ter uma coisa específica, que queremos neste preciso momento, porque esse desejo pode produzir conflitos com os nossos outros desejos, e com os desejos de outras pessoas, e com o mundo.

Questões tão simples quanto evidentes, mas que tão frequentemente ignoramos ou preterimos, em função de uma ilusão ou de uma paz aparente e mais imediata.

Tudo o que está desorganizado é varrido para debaixo do tapete (...) porque a comunicação exige a admissão de emoções terríveis: ressentimento, terror, solidão, desespero, ciúme, frustração, ódio, tédio.

Pontuação: 7/10
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Porque Amamos (Helen Fisher)

Helen Fisher é uma das grandes referências actuais no que respeita ao estudo do amor. A primeira vez que olhei para este livro foi com pena, por não estar ainda traduzido. Pouco tempo depois surgiu a versão em português, que acabei por ler entusiasticamente, ainda que movida primordialmente por razões académicas.

Para que serve a paixão, a intimidade e o compromisso - as três componentes do amor romântico identificadas por Sternberg - e de que forma cada um destes elementos actua por si só, impelindo o ser humano, objecto de todas estas forças poderosas e tantas vezes contraditórias, por caminhos de onde dificilmente sairá ileso? Até que ponto somos livres para decidir o que queremos, o que pensamos, o que sentimos ou o que fazemos?

Cada um de nós tem uma personalidade única, formada pelas nossas experiências de infância e a nossa biologia pessoal. E esta estrutura psíquica, em grande parte inconsciente, faz com que nos apaixonemos por uma pessoa e não por outra.

Para quem gosta de olhar para o amor como algo insondável e absolutamente misterioso - e assim o pretende conservar - deverá manter-se longe destas páginas. Não sendo esse o caso, encontrará aqui uma oportunidade de esclarecer alguns desses caminhos aparentemente inexplicáveis e tantas vezes tortuosos.

Pontuação: 7/10
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O Monte dos Vendavais (Emily Brontë)

O Monte dos Vendavais - também traduzido como Alto dos Vendavais - foi talvez uma das histórias de amor mais intensas, bonitas e perturbadoras que já li.  

Passado nas charnecas inóspitas do norte de Inglaterra, relata a história do órfão
 Heathcliff - acolhido em criança pelo patriarca da família Earnshaw - e da jovem Catherine Earnshaw, que cedo desenvolve uma afeição especial por este ser amargo e bravio, afeição em tudo correspondida por Heathcliff, desde então, de forma tão violenta quanto o seu carácter tempestuoso faria prever. 

Os meus grandes desgostos neste mundo foram os desgostos do Heathcliff, e eu acompanhei e senti cada um deles desde o início; é ele que me mantém viva. Se tudo o mais perecesse e ele ficasse, eu continuaria, mesmo assim, a existir; e, se tudo o mais ficasse e ele fosse aniquilado, o universo tornar-se-ia para mim numa vastidão desconhecida, a que eu não teria a sensação de pertencer. (...) Ele está sempre, sempre, no meu pensamento. Não por prazer, mas como parte de mim mesma, como eu própria.

Apartados pelo destino, que não se tece exclusivamente por linhas de amor e paixão, onde intervêm também as diferenças sociais, 
ambições, expectativas e conveniências (próprias e de terceiros), Catherine e Heathcliff seguem caminhos distintos, permanecendo, no entanto, ligados num emaranhado de laços - por vezes demasiado apertados - que percorrem todo o espectro das emoções humanas: amor e ódio, apaziguamento e zanga, admiração e repulsa, revolta e reconciliação. Laços que conduzirão a um percurso sinuoso e destrutivo que acompanhamos ora enternecidos ora horrorizados, mas nunca indiferentes ou entediados. 

Nem que ele a amasse com toda a força da sua vil existência, seria capaz de a amar tanto em oitenta anos como eu num só dia. Catherine tem um coração tão profundo como o meu. Seria mais fácil meter o mar dentro de uma selha, que toda a afeição dela ser monopolizada por ele. 

Trata-se do primeiro e único romance de Emily Brontë, publicado em 1847 - altura em que causou alguma celeuma pela rudeza e brutalidade de algumas cenas e personagens - e que perdura até hoje como um clássico de uma beleza e intensidades difíceis de igualar.  

Pontuação: 10/10
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Os Meus Sentimentos (Dulce Maria Cardoso)

Dulce Maria Cardoso transporta-nos para o emaranhado de pensamentos que habitam o interior de pessoas banais. Que pessoas são estas? Somos todos nós, que vivemos fora das telas do cinema e das páginas dos romances vitorianos. 

A voz da mulher é tão irritante, quando namoravam não podia ter aquela voz, ninguém se engana tanto, além da voz irritante a mulher tem o irritante hábito de não parar de falar.

Pensamentos que fluem como gotas de chuva que escorrem sem que ninguém as trave, pelos vidros de uma janela - os maiores, mais bonitos e eloquentes pensamentos, assim como os mais miudinhos, mais disformes, mais improváveis e inconvenientes. É desta diversidade de cores que são feitos os personagens que habitam os seus romances, gente que se arrasta por vidas baças, sem glória, com o mesmo júbilo de quem vive no auge do esplendor. 

O funcionário tem um tipo de humor que os colegas nunca apreciaram e que o torna ainda mais sozinho, o funcionário olha para a chuva que não pára, há muito que tem os pensamentos como a única coisa que verdadeiramente possui (...) 

É talvez esta a grande capacidade de Dulce Maria Cardoso, pegar em matéria vulgar e transforma-la em literatura. É também a miséria humana e moral que encontramos aqui - tantas vezes oculta no interior de fachadas reluzentes - por via de minuciosos detalhes da decadência de uma sociedade bafienta, cujo estatuto e privilégios se eclipsaram com a deposição do antigo regime. 

Tendo começado por "Eliete" - último romance da autora - tenho de reconhecer que as expectativas estavam demasiado elevadas, e que esta segunda incursão pelo universo de Dulce Maria Cardoso ficou um pouco aquém do esperado, no que apontaria, porventura, uma tónica excessiva na arte ruminativa. 

Pontuação: 6/10
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Alain de Botton


«Não era assim tão difícil concentrarmo-nos na leitura dos contos de Chekhov à luz da vela, quando a única diversão disponível era conversar com um vizinho que vivia à distancia de 20 minutos a pé.»

In "Como Pensar Mais Sobre Sexo"

Tess dos D'Urbervilles (Thomas Hardy)

Thomas Hardy, neste que é um dos seus mais aclamados romances, retoma o tema tão premente - à época, assim como ainda hoje - do moralismo, do preconceito e das convenções sociais. Tess, filha mais velha de um casal de camponeses pouco afortunados e com mais umas tantas bocas para alimentar, empurram a filha para casa de uma suposta parente, onde encontra trabalho e abrigo. Aí encontra também um homem sem escrúpulos, que a persegue e assedia, regressando à casa paterna, quatro meses mais tarde, sem a inocência com que partira.

Sabia identificar na perfeição aquele momento preciso do entardecer em que a luz e escuridão estão de tal forma calibradas entre si que o retraimento do dia e o avançar ainda incerto da noite acabam por se neutralizar mutuamente, projetando no espírito uma sensação de absoluta liberdade. É então que o fardo de se estar vivo sofre uma considerável atenuação, reduzindo-se ao mínimo necessário. 

Tess vê-se assim na condição desditosa de mulher maculada, num tempo em que esse infortúnio representava uma marca irremediável e permanente na vida de qualquer mulher. Essa vivência irá moldar de forma irrevogável o seu destino, as suas vivências - tanto no mundo exterior como no seu interior - tão bem captadas por Hardy:

É possível que Tess se tenha apercebido a determinada altura de que o que a deixava tão cabisbaixa - a preocupação com o que os outros poderiam pensar da sua situação - resultava de uma ilusão da sua parte. Só aos seus próprios olhos é que ela era uma existência, uma experiência, uma paixão, uma estrutura de emoções. No que ao resto dos mortais dizia respeito, não passava de uma ideia passageira. 

Tess procura ultrapassar essa dolorosa experiência, fugindo do estigma e dos olhares acusadores, mas o pior crítico é aquele que habita no interior de cada um de nós, que nos acompanha para onde quer que se vá, sem hipótese de fuga possível.

O relógio fez soar solenemente uma hora da madrugada, essa hora em que o pensamento cresce e extravasa a razão, e quando uma série de possibilidades malignas começam a ganhar fundamento, até se tornarem factos inabalaveis. 

Pontuação: 8/10
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Mulheres (Charles Bukowski)

Ler Bukowski, é uma espécie de embriaguez, em múltiplos sentidos. Por um lado, e uma vez que se comece, é difícil parar. Não é por estarmos perante aquilo a que habitualmente chamamos um page turner - não - é algo diferente. No primeiro caso diria que é a curiosidade - de saber o final, o que vem a seguir, quem é o assassino, etc - que nos leva a querer virar mais uma página. Aqui é algo diferente, é - acima de tudo - pelo prazer, pelo deleite que cada pedaço de escrita proporciona, que somos levados a virar uma página atrás da outra.

Mas não é só isso. Muitos outros autores provocam essa mesma sensação de prazer, mas de formas muito diferentes. Voltando à embriaguez, é que Bukowski parece estar permanecer embriagado enquanto escreve, parece um tipo diante de quem nos sentamos num bar, no final de uma longa noite, que nos conta de enfiada uma série de episódios, aventuras e peripécias - as mais impróprias e inverosímeis - como só alguém muito alcoolizado consegue fazer. E que nos leva a pensar em que estado estaremos nós também, para nos termos posto ali a ouvir aquilo tudo.


Era definitivamente capaz de levar a cabo uns jogos sórdidos e irreais. Qual era a minha motivação? Estaria a tentar desforrar-me de alguma coisa? (...) Eu estava a deixar que as coisas acontecessem sem pensar nelas. Não estava a ter em conta nada para além do meu próprio prazer egoísta e reles. (...) Eu mexia em vidas e almas como se fossem os meus brinquedos.

Enfim, Bukowski é desbocado, inconveniente, inapropriado, deselegante, grosseiro, indecoroso. Mas a sua escrita cativa por essa mesma crueza e transparência, uma espécie de liberdade sem freio, que faz dele aquilo que é e que está à vista.

Pontuação: 9/10
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E Então Vai Entender (Cláudio Magris)

Descobri Cláudio Magris ao passar os olhos por uma lista de autores que repetidamente se perfilam como candidatos ao Nobel da literatura.

Dando voz a uma espécie de Eurídice - figura mitológica pela qual Orfeu desce às profundezas de Hades, na tentativa de a trazer de volta ao mundo dos vivos - a voz que nos fala explica porque razão fez o seu amado voltar-se para trás antes de chegar ao fim do percurso, determinando assim a impossibilidade permanente daquele regresso tão desejado. 


Daí a pouco, até os amigos faziam por se livrarem dele, aquela melancolia incansável incomodava as pessoas e também aquele seu bater no peito, aquele seu acusar-se de saber lá quais culpas...

Numa tonalidade que me remeteu para uma espécie de embalo, que encontrei também na escrita de Saunders, em Lincoln no Bardo (igualmente assente em vozes do limbo) a narrativa evoca momentos felizes, de grande simbiose entre os amantes, agora separados pelos muros intransponíveis da vida e da morte. 

Mas era apaixonado e teimoso, como um verdadeiro neurótico. É bom ser-se amada por um neurótico, dá segurança. Sabes que não lhe vai passar, é uma ideia fixa, resistente a todos os golpes da vida. Não creio que me teria enamorado assim tanto se ele não fosse tão neurótico.

De quanto desequilíbrio é feita uma história de amor, quanto padecimento, quanta loucura e quanta dor? É uma história curtinha (71 páginas) que não chega ao dia seguinte - sendo este o seu principal defeito, no que a mim me toca - mas fica connosco muito para além disso.

Pontuação: 7/10
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Tempos Difíceis (Charles Dickens)

Regressar aos clássicos é sempre uma experiência de assombro e alguma perplexidade - como é que se escreveu tão bem, de forma tão cuidada, com tanta minúcia, rigor e detalhe na reprodução de cenários - geográficos, sociais - e personagens, com todos os seus estados anímicos e complexidade interior - afectiva, moral - como é que se capta toda uma existência assim, desta forma que nos é dado ler nas páginas deste livro, chegado do século XIX até aos nossos dias... 

Depois de haver-se despido e deitado, Louisa ficou longo tempo à espera de sentir chegar Thomas. Isso não iria acontecer, ela sabia, antes da uma hora da madrugada, mas na paz do campo, que trazia tudo ao seu espírito excepto paz, o tempo custava a passar.

É com esta sensação de arrebatamento e admiração e uma certa reverência, se não mesmo humildade - tanto mais se atentarmos nas primeiras linhas da brevíssima nota biográfica do autor - que este encontro habitualmente tem lugar. A humildade decorrente da percepção de que são obras de génio estas, que temos o privilégio de ler, volvidos todos estes anos: 

[Charles Dickens] era o segundo de oito filhos. O seu pai, empregado nos serviços do porto e de espírito fantasioso, abandonou a instrução de Charles, que se foi educando, ao acaso, depois de sair da escola primária, que frequentou até aos nove anos. 

Uma sensação que se mistura a uma certa surpresa, que constantemente se renova, como se nunca estivesse verdadeiramente à espera de encontrar uma escrita assim.   

Menos ainda se conseguirá alguma coisa se olharmos para eles como máquinas, se os governarmos como se fossem teares e máquinas desprovidos de amor e simpatias, de memórias e inclinações, e almas capazes de desalento e de esperança (...)

Eça de Queirós dizia que nenhum outro romancista possuiu o poder de criar figuras vivas, e o dom supremo de comover e de produzir as lágrimas e o riso, de fazer sentir, de fazer pensar. Poucas coisas superam esta sensação de termos sido teletransportados para um espaço e um tempo que não é o nosso, que nos é dado ver e sentir como se ali estivéssemos genuinamente, que nos faz pensar no que fomos ontem, no que somos hoje e - como não? - no que seremos amanhã... 

Pontuação: 8/10
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Em Defesa do Erotismo (Ana Alexandra Carvalheira)

Se há sítio onde a psicologia deve meter o nariz é na sexualidade, onde tudo passa muito mais pela cabeça - se estamos a pensar no que estamos a fazer ou na lista de compras do supermercado, se estamos disponíveis para o imprevisto ou se permanecemos num estado de alerta semelhante àquele com que entramos num autocarro em hora de ponta - do que por qualquer outra questão anatómica, fisiológica, acrobática ou afins.

Ana Carvalheira, psicóloga e investigadora, faz as perguntas certas - Quando o desejo se perde, porque é que se perde? Qual a composição do erotismo, essa energia vital que mobiliza a nossa sexualidade? Como se faz um património erótico capaz de sustentar o desejo e o prazer? - e apresenta um conjunto de hipóteses e reflexões fulcrais e transformadoras, despertando-nos para pequenos nadas, num mundo que é muito mais feito de pormenores do que aquilo que possamos pensar.


Falamos de erotismo, uma entidade viva e instável que precisa de um investimento intencional. O erotismo floresce no mistério, na novidade, na transgressão, na separação e numa certa falta do outro. E perde-se na previsibilidade, na rotina e na fusão relacional.

Há muito a aprender sobre sexo, muitos preconceitos a abandonar (tantos e tão diferentes, uns mais evidentes, outros nem por isso), muitas amarras a soltar (ou a atar, conforme o gosto de cada um) e é isso que a autora oferece neste livro, que escreve com imenso sentido de propriedade e mestria a favor do prazer, da liberdade e da saúde sexual. A este propósito, ocorrem-me as palavras com que Alain de Botton introduz o seu livro "Como Pensar Mais Sobre Sexo": 

«É raro passar pela vida sem sentimentos – geralmente com um certo grau de sofrimento secreto, talvez quando acaba uma relação, ou quando estamos deitados na cama, frustrados, ao lado do nosso companheiro, sem conseguirmos adormecer – que de alguma forma somos um pouco estranhos, no que toca ao sexo. É uma área em que a maioria das pessoas tem a dolorosa e profunda impressão de ser bastante invulgar.» 

Pontuação: 8/10
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O Livro do Desassossego (Bernardo Soares)

O Livro de Desassossego foi mais um daqueles livros que me vieram parar às mãos na juventude, quando passava os olhos pelas prateleiras da biblioteca da faculdade onde estudava. Foi um choque, uma surpresa e um deslumbre imediatos.

Um choque, em parte, por perceber que havia alguém capaz de pôr por escrito um conjunto de pensamentos tão esdrúxulos, complexos, retorcidos e inusitados - como aquele que tinha diante dos olhos - com tamanho acerto e propriedade. Uma surpresa por encontrar um livro assim numa faculdade de Direito - tão rígida e cinzenta na sua base - e por ter ido dar com ele, aleatoriamente, no meio de tantos outros.


A verdadeira experiência consiste em restringir o contacto com a realidade e aumentar a análise desse contacto. Assim a sensibilidade se alarga e aprofunda, porque em nós está tudo; basta que o procuremos e o saibamos procurar.

Bernardo Soares escreve em prosa (alega que o verso é limitado por leis rítmicas como uma espécie de resguardos, coações, dispositivos automáticos de opressão e castigo) produzindo um conjunto de textos dispersos, fragmentos quebrados e desconexos, contendo essencialmente impressões da sua vida interior (in Introdução), que veio a apelidar de autobiografia sem factos.

«Jamais outro escritor conseguiu passar, de modo tão directo e nítido, a sua alma para a folha escrita» (ibid.) e é esta alma, esta vida interior tumultuosa, densa, simultaneamente emaranhada e profundamente lúcida que aqui nos é dado conhecer.

O cansaço de todas as ilusões e de tudo que há mas ilusões - a perda delas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perde-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.

Fica a advertência de que deve ser lido com moderação. E pode ter contra-indicações. Não se destina a ser lido de seguida, de uma ponta à outra. É para se ir lendo aos poucos, fraccionadamente, permanecendo atento a possíveis efeitos secundários indesejáveis. 

Pontuação: 9/10
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No Jardim do Ogre (Leila Slimani)

Leila Slimani traz-nos uma história de compulsão - uma compulsão sexual - vivida por uma mulher que, a custo, procura contrariar esse veio insidioso que emerge das profundidades do seu ser e a arrasta por um caminho de degradação moral, física e psíquica que cada compulsão consabidamente implica.

Quis o acaso que lesse este livro quando estava de férias, o que me permitiu fazê-lo com a mesma voracidade que perpassa toda a história. Como em qualquer comportamento aditivo, há qualquer coisa da ordem do desespero, da angústia e de uma agonia atroz que percorre toda a narrativa - sentida tanto por quem a vive, como por quem observa - como uma sensação de desastre à espera de acontecer, uma inevitabilidade terrível que, de uma forma empenhada, sistemática e metódica a protagonista procura combater, mas que apenas consegue, esforçadamente, adiar.

A cada página conseguimos sentir o pulsar de Adèle, na sua luta cadenciada e feroz contra um inimigo interior - que a domina, esmaga, sufoca - e é esse ritmo, quase orgânico, que nos liga e prende, inelutavelmente, ao percurso e destino do personagem.

«Adèle já não consegue pensar em mais nada. Levanta-se, bebe um café muito forte na casa adormecida. De pé, na cozinha, muda o peso de um pé para o outro. Fuma um cigarro. No duche, tem vontade de se arranhar, de rasgar o corpo em dois. Bate com a testa na parede. Quer que a agarrem, que lhe partam o crânio contra o vidro. Assim que fecha os olhos, ouve os barulhos, os suspiros, os gritos, os golpes. Um homem nu que arqueja, uma mulher que se vem.» 

Trata-se de um livro relativamente curto (184 páginas), mas nem por isso menos intenso e entusiasmante. 

Pontuação: 9/10
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Biografia Involuntária dos Amantes (João Tordo)

Há histórias de que temos medo, realidades das quais procuramos fugir, que preferimos não conhecer. Que ameaçam a nossa própria realidade, aquela que construímos para nós, que compusemos ao longo do tempo, numa tentativa de conferir sentido àquilo que antes não o tinha. 

Durante algum tempo, parecia que Teresa se esquecera de tudo - de um passado do qual nunca falava, da morte do pai, de um amante possivelmente violento. Foderam a todas as horas e em todos os lugares. A sensação de estar casado, descreveu-me, era, ao contrário de tudo o que sempre ouvira dizer, a maior libertação de todas. (...) Era um afrodisíaco como nunca antes sentira; Teresa era a coisa que lhe estava destinada, convenceu-se. A poesia era um embuste, a literatura uma escapatória dos mal-fodidos. A vida verdadeira era aquilo: vir-se todos os dias dentro da mulher que amava. 

Essa é a nossa história, aquela que contamos a nós próprios e à volta da qual nos (re)construímos. Haverá outra mais importante? Se a história terminou, valerá a pena abri-la de novo, rasgar tudo o que até ali escrevemos, em prol de uma outra versão, aquela que se apresenta como a verdade objectiva, para nós desconhecida até então? E a que preço o fazemos? 

Saldaña Paris era verdadeiramente melancólico: um homem de outro tempo que vivia aprisionado neste; um homem de um tempo em que a felicidade não era uma obrigação, mas a sorte de uns quantos tolos.

Esta é igualmente uma história de amizade, também ela uma forma de amor, tantas vezes subvalorizada, descurada e preterida. A amizade que nos liga ao outro de forma inquebrantável, que nos liga a nós próprios e ao mundo. 

Pontuação: 8/10
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OS 100 Melhores Livros do Séc. XXI



O The Guardian publicou uma lista dos 100 melhores livros do Séc. XXI, muitos dos quais estão traduzidos em Português. Aqui fica a lista completa:


1 - Wolf Hall (Hilary Mantel) Versão em Inglês

2 - Gilead (Marilynne Robinson)

3 - O Fim do Homem Soviético (Svetlana Aleksievitch)
4 - Nunca Me Deixes (Kazuo Ishiguro)
5 - Austerlitz (WG Sebald)
6 - O Telescópio de Âmbar (Philip Pullman)
7 - Entre Mim e o Mundo (Ta-Nehisi Coates)
8 - Outono (Ali Smith)
9 - Cloud Atlas Atlas das Nuvens (David Mitchell)
10 - Meio Sol Amarelo (Chimamanda Ngozi Adichie)
11 - A Amiga Genial (Elena Ferrante)
12 - A Conspiração Contra a América (Philip Roth)
13 - Nickel And Dimed Undercover In Low-Wage America (Barbara Ehrenreich) Versão em Inglês
14 - Fingersmith (Sarah Waters) Versão em Inglês
15 - A Sexta Extinção (Elizabeth Kolbert) 
16 - Correcções (Jonathan Franzen)
17 - A Estrada (Cormac McCarthy)
18 - A Doutrina do Choque - A Ascensão do Capitalismo de Desastre (Naomi Klein) 
19 - O Estranho Caso do Cão Morto (Mark Haddon) 
20 - Vida Após Vida (Kate Atkinson) 
21 - Sapiens - História Breve da Humanidade (Yuval Noah Harari)
22 - Dez de Dezembro (George Saunders)
23 - O Demónio da Depressão (Andrew Solomon)
24 - A Visita do Brutamontes (Jennifer Egan)
25 - Pessoas Normais (Sally Rooney)
26 - O capital no século XXI (Thomas Piketty) 
27 - Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento (Alice Munro) 
28 - Rapture (Duffy Carol Ann) 
29 - A Morte do Pai - A Minha Luta (Karl Ove Knausgård)
30 - A Estrada Subterrânea (Colson Whitehead)
31 - The Argonauts (Maggie Nelson) 
32 - O Imperador de Todos os Males - Uma Biografia do Cancro (Siddhartha Mukherjee)
33 - Fun Home - Uma Tragicomédia Familiar (Alison Bechdel)
34 - A Contraluz (Rachel Cusk)
35 - A Lebre de Olhos de Âmbar (Edmund de Waal)
36 - Experiência (Martin Amis)
37 - The Green Road (Anne Enright) Versão em Inglês
38 - Line Of Beauty (Alan Hollinghurst) Versão em Inglês
39 - White Teeth (Zadie Smith) Versão em Inglês
40 - O Ano do Pensamento Mágico (Joan Didion) 
41 - Expiação (Ian McEwan)
42 - Moneyball (Michael Lewis) Versão em Inglês   
43 - Citizen - An American Lyric (Claudia Rankine) Versão em Inglês
44 - Hope In The Dark (Rebecca Solnit) Versão em Inglês
45 - Os Níveis da Vida (Julian Barnes)
46 - Human Chain (Seamus Heaney) Versão em Inglês
47 - Persépolis (Marjane Satrapi)
48 - Night Watch (Terry Pratchett) Versão em Inglês
49 - Why Be Happy When You Could Be Normal? (Jeanette Winterson) Versão em Inglês 
50 - Oryx And Crake (Margaret Atwood) Versão em Inglês
51 - Brooklyn (Colm Tóibín)
52 - Small Island (Andrea Levy) Versão em Inglês
53 - Óscar e Lucinda (Peter Carey) 
54 - Mulheres & Poder - Um Manifesto (Mary Beard) 
55 - The Omnivore'S Dilemma (Michael Pollan) Versão em Inglês
56 - Underland (Robert Macfarlane) Versão em Inglês
57 - A Liga da Chave Dourada - As Espantosas Aventuras de Kavalier & Clay (Michael Chabon) 
58 - Postwar (Tony Judt) Versão em Inglês
59 - Beauty Of The Husband (Anne Carson) Versão em Inglês
60 - Dart (Alice Oswald) Versão em Inglês
61 - This House Of Grief (Helen Garner) Versão em Inglês
62 - Leite Materno (Edward St Aubyn)
63 - The Immortal Life Of Henrietta Lacks (Rebecca Skloot) Versão em Inglês
64 - On Writing (Stephen King) Versão em Inglês
65 - Em Parte Incerta (Gillian Flynn)
66 - Sete Breves Lições de Física (Carlo Rovelli) 
67 - The Silence Of The Girls (Pat Barker) Versão em Inglês
68 - O Fiel Jardineiro (John le Carré) 
69 - Os Enamoramentos (Javier Marías) 
70 - Diário de Um Escândalo (Zoë Heller) 
71 - Jimmy Corrigan - The Smartest Kid On Earth (Chris Ware) Versão em Inglês
72 - The Age of Surveillance Capitalism (Shoshana Zuboff) Versão em Inglês
73 - Nothing To Envy (Barbara Demick) 
74 - Dias sem Fim (Sebastian Barry) 
75 - Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos (Olga Tokarczuk) 
76 - Pensar, Depressa e Devagar (Daniel Kahneman) 
77 - Signs Preceding The End Of The World (Yuri Herrera) Versão em Inglês
78 - Quinta Estação (N. K. Jemisin) 
79 - O Espírito da Igualdade - Por que razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor (Kate Pickett e Richard Wilkinson)
80 - Stories Of Your Life Others (Ted Chiang) Versão em Inglês
81 - Colheita (Jim Crace)
82 - Coraline e a Porta Secreta (Neil Gaiman)
83 - Tell Me How It Ends (Valeria Luiselli) Versão em Inglês
84 - O Custo de Vida (Deborah Levy)
85 - A Desilusão de Deus (Richard Dawkins)
86 - Comportem-se Como Adultos (Yanis Varoufakis) 
87 - Priestdaddy (Patricia Lockwood) Versão em Inglês
88 - Noughts & Crosses (Malorie Blackman) Versão em Inglês
89 - Bad Blood (Lorna Sage) Versão em Inglês
90 - Visitation (Jenny Erpenbeck)  Versão em Inglês
91 - Light (M.John Harrison) Versão em Inglês
92 - The Siege (Helen Dunmore) Versão em Inglês
93 - Darkmans (Nicola Barker) Versão em Inglês
94 - A Chave do Sucesso (Malcolm Gladwell) 
95 - Crónicas - Volume I (Bob Dylan) 
96 - A Little Life (Yanagihara Hanya) Versão em Inglês
97 - Harry Potter e o Cálice de Fogo (J. K. Rowling)
98 - Os Homens Que Odeiam as Mulheres (Stieg Larsson) 
99 - Broken Glass (Alain Mabanckou)
100 - Não Gosto do Meu Pescoço (Nora Ephron)