Tempos Difíceis (Charles Dickens)

Regressar aos clássicos é sempre uma experiência de assombro e alguma perplexidade - como é que se escreveu tão bem, de forma tão cuidada, com tanta minúcia, rigor e detalhe na reprodução de cenários - geográficos, sociais - e personagens, com todos os seus estados anímicos e complexidade interior - afectiva, moral - como é que se capta toda uma existência assim, desta forma que nos é dado ler nas páginas deste livro, chegado do século XIX até aos nossos dias... 

Depois de haver-se despido e deitado, Louisa ficou longo tempo à espera de sentir chegar Thomas. Isso não iria acontecer, ela sabia, antes da uma hora da madrugada, mas na paz do campo, que trazia tudo ao seu espírito excepto paz, o tempo custava a passar.

É com esta sensação de arrebatamento e admiração e uma certa reverência, se não mesmo humildade - tanto mais se atentarmos nas primeiras linhas da brevíssima nota biográfica do autor - que este encontro habitualmente tem lugar. A humildade decorrente da percepção de que são obras de génio estas, que temos o privilégio de ler, volvidos todos estes anos: 

[Charles Dickens] era o segundo de oito filhos. O seu pai, empregado nos serviços do porto e de espírito fantasioso, abandonou a instrução de Charles, que se foi educando, ao acaso, depois de sair da escola primária, que frequentou até aos nove anos. 

Uma sensação que se mistura a uma certa surpresa, que constantemente se renova, como se nunca estivesse verdadeiramente à espera de encontrar uma escrita assim.   

Menos ainda se conseguirá alguma coisa se olharmos para eles como máquinas, se os governarmos como se fossem teares e máquinas desprovidos de amor e simpatias, de memórias e inclinações, e almas capazes de desalento e de esperança (...)

Eça de Queirós dizia que nenhum outro romancista possuiu o poder de criar figuras vivas, e o dom supremo de comover e de produzir as lágrimas e o riso, de fazer sentir, de fazer pensar. Poucas coisas superam esta sensação de termos sido teletransportados para um espaço e um tempo que não é o nosso, que nos é dado ver e sentir como se ali estivéssemos genuinamente, que nos faz pensar no que fomos ontem, no que somos hoje e - como não? - no que seremos amanhã... 

Pontuação: 8/10
Sinopse aqui

Sem comentários:

Enviar um comentário