Os Meus Sentimentos (Dulce Maria Cardoso)

Dulce Maria Cardoso transporta-nos para o emaranhado de pensamentos que habitam o interior de pessoas banais. Que pessoas são estas? Somos todos nós, que vivemos fora das telas do cinema e das páginas dos romances vitorianos. 

A voz da mulher é tão irritante, quando namoravam não podia ter aquela voz, ninguém se engana tanto, além da voz irritante a mulher tem o irritante hábito de não parar de falar.

Pensamentos que fluem como gotas de chuva que escorrem sem que ninguém as trave, pelos vidros de uma janela - os maiores, mais bonitos e eloquentes pensamentos, assim como os mais miudinhos, mais disformes, mais improváveis e inconvenientes. É desta diversidade de cores que são feitos os personagens que habitam os seus romances, gente que se arrasta por vidas baças, sem glória, com o mesmo júbilo de quem vive no auge do esplendor. 

O funcionário tem um tipo de humor que os colegas nunca apreciaram e que o torna ainda mais sozinho, o funcionário olha para a chuva que não pára, há muito que tem os pensamentos como a única coisa que verdadeiramente possui (...) 

É talvez esta a grande capacidade de Dulce Maria Cardoso, pegar em matéria vulgar e transforma-la em literatura. É também a miséria humana e moral que encontramos aqui - tantas vezes oculta no interior de fachadas reluzentes - por via de minuciosos detalhes da decadência de uma sociedade bafienta, cujo estatuto e privilégios se eclipsaram com a deposição do antigo regime. 

Tendo começado por "Eliete" - último romance da autora - tenho de reconhecer que as expectativas estavam demasiado elevadas, e que esta segunda incursão pelo universo de Dulce Maria Cardoso ficou um pouco aquém do esperado, no que apontaria, porventura, uma tónica excessiva na arte ruminativa. 

Pontuação: 6/10
Sinopse aqui

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