A Morte em Veneza (Thomas Mann)

Às vezes penso que já li os melhores livros da minha vida, aqueles que figurarão para sempre na lista dos meus favoritos, que mais me inebriaram, arrebataram, etc. É uma ilusão, como outra qualquer. 

A Morte em Veneza figura entre esses livros que mais me marcaram até hoje. É um livro pequenino (85 páginas), mas que tem um mundo dentro dele.

«Não há nada mais estranho e mais melindroso do que a relação entre pessoas que apenas se conhecem de vista, (...) obrigadas a manter uma aparência de mútua indiferença. Entre elas reina a inquietação, a curiosidade tensa, a histeria de uma necessidade de troca insatisfeita e artificialmente reprimida e também uma espécie de consideração constrangida. Pois, o homem ama e venera o seu próximo, quando não pode julgá-lo; o desejo é uma criação do conhecimento insuficiente.» 

A história é a de um deslumbre - uma paixão insidiosa - de um homem mais velho que admira (venera) à distância, um jovem rapaz, inacessível, por força das circunstâncias e das regras do decoro e da moral comummente aceites. O sentimento, porém, existe e instala-se no íntimo do protagonista, por muito ou pouco que isso seja conveniente ou do seu agrado.

«Tal noite continha em si a alegre promessa de um novo dia de sol preenchido pelo lazer suavemente ordenado e enfeitado por inúmeras possibilidades de agradáveis acasos. (...) Já se tinha habituado à agradável monotonia desta existência, ao suave esplendor desta forma de viver. Com efeito, que lugar!»

A narrativa é marcada por uma sensualidade muito particular, que atravessa todos os sentidos, aguçando cada um deles e provocando uma espécie de hiperfuncionamento exacerbado, através do qual a realidade é percepcionada com uma intensidade diferente, ampliada a todos os níveis (o êxtase da expectativa interiormente acalentada, o deleite dos pequenos detalhes percebidos, o júbilo do prazer longínquo e meramente imaginado).

«O seu espírito conturbado não queria saber nem desejava nada mais do que perseguir sem descanso o objecto que o encantava, sonhar com ele sempre que estava ausente e - à maneira dos amantes - dirigir palavras de ternura à sua silhueta. A solidão, a estranheza e felicidade de um êxtase profundo e tardio, encorajavam-no e persuadiam-no a permitir-se mesmo o mais extravagante, sem passar pela vergonha e rubores; de modo que um dia, ao regressar tarde de Veneza, parou no primeiro andar do hotel à porta do jovem belo e, em pleno delírio, encostou a testa à dobradiça da porta permanecendo assim durante algum tempo, sem temer ser surpreendido numa posição tão demente.»   

É esse estado de sensibilidade aumentada que Thomas Mann transmite e que se infiltra em nós ao percorrer estas linhas, fazendo da leitura uma espécie de experiência imersiva, de certa forma vivida e sentida na primeira pessoa.

Pontuação: 10/10
Sinopse aqui

1 comentário:

  1. Não li o livro (ainda). Mas vi o filme várias vezes e adoro-o-
    Não sei se será o meu preferido do Visconti mas é muito bom.
    Gosto da adaptação que o Visconti faz ao fazer de Aschenbach um compositor e não um escritor, conseguindo assim a fusão completa entre a banda sonora de Mahler e a história (algo que aprecio particularmente no cinema).
    No filme Aschenbach chega a Veneza para alguns dias de repouso. Percebemos mais tarde que vem na sequência de um desaire: Uma das suas composições é mal recebida pelo público e refugia-se em Veneza.
    Aschenbach apaixona-se por Tadzio ou pela imagem de Tadzio? Antes de mais Aschenbach está apaixonado pelo belo. Por isso é músico.
    Aschenbach perdeu o sentido do belo com a música, e reencontra uma outra forma de belo no jovem Tadzio, cuja beleza é ainda mais realçada com a Veneza em decadência como pano de fundo.
    Muito mais que um ridículo homem de meia-idade que se apaixona por um rapaz, é um homem de meia-idade que continua à procura do belo.
    Aschenbach não alcança esse belo. Mas não desiste até ao fim de o alcançar.
    Essa é para mim a mensagem fundamental do filme. A procura do belo.

    João L.

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