Céleste
Albaret, governanta e confidente de Proust, traz-nos um relato
emocionado dos últimos dez anos de vida do autor, no
período em que escreveu Em Busca do Tempo Perdido, oferecendo-nos
um retrato exímio do seu dia-a-dia, da sua personalidade peculiar, das suas
excentricidades, do seu brilhantismo e genialidade, num tom muito
íntimo, carregado de afecto e de beleza.
«Faz agora sessenta
anos que o vi pela primeira vez; todavia, é como se tivesse sido ontem. Era
frequente ele dizer-me: "Depois de eu morrer, há-de pensar sempre no
pequeno Marcel, porque nunca encontrará outro como ele". E vejo hoje que
estava coberto de razão; aliás, como sempre. Nunca me separei dele, nunca
deixei de pensar nele, nem de o ter como exemplo. Nas noites em que não consigo
dormir, é como se falasse comigo.»
O relato
impressiona por aquilo que revela da vida desta figura emblemática da história
da literatura – a forma como vivia exclusivamente de noite, quase sem se
alimentar, como se dedicava por inteiro à criação literária, como era afável
com aqueles de quem gostava, a delicadeza que punha na relação e no trato com
estes últimos, a segurança que revelava na sua obra (mesmo depois de ver recusado o
manuscrito), mas o que impressiona igualmente é a devoção, o enlevo e a ternura
com que, passados mais de 50 anos, Céleste Albaret recorda o homem a quem o
destino uniu por laços aparentemente tão ténues e, no
entanto, tão marcantes e indeléveis:
- Então, querida
Céleste, viver sempre de noite, aqui, com um doente, deve ser bem triste, não?
E eu protestava. Ele
estava a brincar, mas já tinha percebido, bem antes de mim, o que aquela
existência representava para mim. É difícil de pôr em palavras. Era o encanto
dele, a sua maneira de falar, com a mãozinha encostada à cara. (..) Quando a
vida parou, para ele, parou para mim também.
Há
qualquer coisa de extraordinário nos relatos que nos chegam por parte daqueles que
foram próximos de grandes figuras da história (veja-se um outro exemplo na biografia de Sofia Tolstoi), e que conseguem reproduzir não apenas os momentos
da vida pública, mas também os aspectos mais delicados da sua vida singular, dentro
de portas, revelando as inúmeras subtilezas da sua natureza e forma de estar, naquilo que têm de mais humano e semelhante a cada um de nós.
Sinopse: Monsieur Proust é um livro de memórias dos últimos anos de vida de Marcel Proust. A autora, Céleste Albaret, foi governante, escriturária, por vezes cozinheira, frequentemente enfermeira de Proust. Foi a testemunha dos «oito anos-chave» da sua vida, em que uma reclusão cada vez mais severa, imposta pela necessidade de acabar o seu romance "Em busca do tempo perdido", só ocasionalmente era interrompida por saídas nocturnas para rever um amigo (numa «corrida às personagens»). A imagem de Céleste ao lado da cama de Proust, ouvindo os seus relatos e comentando-os; acudindo-o, enfermo; ou sugerindo modos práticos de adicionar texto às margens dos manuscritos, liga-se à do escritor imerso na escrita do romance, para este convocando tudo e todos a partir da cama em que se imobilizara. Entre Proust e Céleste criou-se uma amizade comovente e improvável, se considerarmos as diferenças de idade e de educação. Nas palavras de Céleste, «com ele, o que era fascinante era que, por vezes, eu sentia-me como sua mãe, mas, noutras, como se fosse sua filha»*.

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