Este foi,
talvez, um dos livros de que mais gostei em 2018. Descobri-o através de um blog
literário (Ler-te) a que fui parar por acaso - muito antes de pensar em escrever estas
linhas - e a partir daí percebi que a melhor forma de encontrar novos livros e
autores passaria mais pela esfera virtual, do que por assediar amigos e
conhecidos para que me dissessem o que estão a ler (ou o que tinham lido
recentemente que mais gostassem) ou por me sujeitar à ditadura dos escaparates,
onde um livro com uma dúzia de meses já não é novidade e fica relegado para o
fundo das prateleiras, ofuscado pelos autores sensação do momento, que se valem
muito mais da qualidade do marketing, do que do seu conteúdo.
Esta é a noite mais triste, porque me vou embora e não volto mais. Amanhã de manhã, quando a mulher com quem vivo há seis anos for de bicicleta para o trabalho e os nossos filhos forem jogar a bola no parque, porei algumas coisas num saco de viagem, sairei discretamente de casa, na esperança de que ninguém me veja, e apanharei o metro para casa de Víctor. Aí, e por tempo indeterminado, dormirei no chão do quarto minúsculo que ele gentilmente me ofereceu, ao lado da cozinha.
Assim
começa a história. É um livro relativamente pequeno (115 páginas), mas
carregado de intensidade, de significado em muito do que ali se escreve e
analisa. Não sei se terá algum cunho autobiográfico - pessoalmente parece-me
ter reflexões tão autênticas, tão genuínas que dificilmente terão saído de outra fonte que não o pensamento vívido, sentido na primeira
pessoa - mas trata-se de um retrato maravilhoso de um homem que faz
uma incursão pela sua vida - pessoal, relacional, emocional - enquanto pondera
as razões para sair ou ficar na relação em que se encontra.
Talvez devesse ficar impressionado com o facto de não me ter apegado às coisas, de me sentir suficientemente solto e livre para me ir embora amanhã. Mas estou livre para fazer o quê? De certeza que a liberdade suprema é escolher abdicar da liberdade em nome das obrigações que prendem uma pessoa à vida - envolver-se.
Conheço
poucas relações perfeitas - na verdade, as únicas que se aproximam desse
conceito terrível são aquelas que apenas conheço ao longe - pelo que há todo um
conjunto de lugares (dentro da relação e fora dela) mais ou menos comuns, mas
nem por isso menos complexos, que o autor percorre connosco ao longo da sua
minuciosa e aturada reflexão.
Esta noite, a minha emoção predominante é o medo do futuro. Sempre é melhor, por assim dizer, ter medo das coisas do que estar entediado com elas, e a vida sem amor é um longo tédio.
O tom é
todo ele bastante duro, por vezes amargo, cáustico - mas também é disso que a
vida é feita, e se pensarmos que podemos fugir disso, é melhor que nos
preparemos para toda uma vida em fuga - ao mesmo tempo que consegue ser cândido
e absolutamente surpreendente na forma como coloca e nos apresenta um conjunto
de questões sobre o tema, sobre a vida, sobre a sua vida muito particular.
Ser capaz de suportar a nossa própria mente, de esperar até que a tempestade interior de pensamentos intoleráveis se dissipe, deixando-nos a contemplar os destroços - é um estado de espírito invejável.
O livro
não termina como eu gostaria - não vou desencadear um spoiler alert,
pelo que me abstenho de comentar esta pequenina parte, trata-se de meia página,
não mais do que isso - mas todo ele é um deleite, ainda que por vezes incómodo
e doloroso.
Foi a minha avidez por mais vida que provocou tudo isto, e nós somos criaturas ávidas, um saco de desejos insistentes. O bom senso diz-nos que não precisamos de seguir todos os nossos impulsos, de conquistar todas as mulheres que nos agradem. Mas calculo que se possa andar atrás de algumas delas, sem nunca saber de antemão que maravilhas nos podem estar reservadas.
Pontuação: 10/10
Sinopse aqui
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