As Últimas Testemunhas e A Guerra Não Tem Rosto de Mulher (Svetlana Aleksievitch)


Descobri esta autora há pouco mais de um ano, depois da atribuição do Nobel, e fiquei absolutamente siderada, presa nas suas linhas tão marcantes, tão profundas. Devorei quatro dos cinco livros traduzidos em Portugal e guardei apenas um último (Rapazes de Zinco) para poder regressar, mais tarde. 

Estes foram os dois que mais me marcaram - embora o estilo seja muito semelhante entre todos eles - e assenta na recolha de centenas de testemunhos, junto daqueles que viveram o período da segunda guerra mundial, na antiga União Soviética. No primeiro caso, a autora debruça-se sobre a visão que as crianças (na altura) tiveram deste período de insanidade colectiva, sobre a forma como a guerra chegou até eles, nas cidades ou aldeias em que viviam:

«Junho de 1941... 
Fixei na memória. Era muito pequena, mas fixei tudo na memória....
A última coisa da vida de paz que fixei foi um conto fantástico que a minha mãe nos lia antes de adormecermos. O meu preferido, o Peixinho de Ouro.» 
As Últimas Testemunhas 

No segundo caso, incide sobre a forma como a guerra foi vivida pelas mulheres que foram chamadas a intervir e a lidar com os horrores da guerra - na linha da frente - como enfermeiras, cozinheiras, lavadeiras, franco-atiradoras, sapadoras:

«Estava no meu turno da noite... Entrei na enfermaria dos feridos graves. Estava lá um capitão... Antes do turno os médicos avisaram-me que ele iria morrer durante aquela noite. Não chegaria à manhã... Pergunto-lhe "Como estás? Em que posso ajudar?" Nunca me esquecerei... Ele sorriu de repente, um sorriso tão luminoso no seu rosto extenuado: "Desabotoa a bata. Mostra-me o teu peito... Não vejo a minha mulher há muito tempo..." Fiquei desconcertada, nunca tinha sido sequer beijada. Respondi-lhe uma coisa qualquer. Saí a correr e regressei uma hora depois.
Estava morto. Com aquele sorriso no rosto...» 
A Guerra Não Tem Rosto de Mulher

Não são os acontecimentos em si que captam o interesse de Svetlana - os grandes eventos e movimentos bélicos e estratégicos de que nos falam os manuais de história - mas o impacto que esses acontecimentos tiveram em cada uma das pessoas que os viveu singularmente:

«Não escrevo sobre a guerra, mas sobre o ser humano na guerra. Não escrevo a história da guerra, mas a história dos sentimentos. (…) Edifico templos com os nossos sentimentos… Com os nossos desejos, desencantos. Sonhos. Do que existiu, mas pode escapar. (…) Interessa-me não só a realidade que nos rodeia, mas também a que está dentro de nós.»

Pontuação: 10/10
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