A mulher que correu atrás do vento (João Tordo)

Esta foi mais uma primeira experiência impulsionada pelo meu grupo de leitura que se revelou uma absoluta e deliciosa surpresa. Há algum tempo que tinha vontade de pegar em João Tordo, mas a urgência de ler os mais antigos foi sempre adiando este propósito. 

João Tordo tem uma escrita envolvente, criando ambientes onde apetece estar, aos quais apetece voltar de cada vez que o quotidiano, nas suas múltiplas e incessantes exigências, nos faz afastar. Neste que é um dos seus romances mais recentes, traz-nos a história de quatro mulheres, cujos destinos se cruzam e entrelaçam. 

Lia foi, de longe, a personagem de que mais gostei. Filha de uma mulher que não quis ou não conseguiu ser mãe, ficou entregue a uma instituição a partir dos quatro anos de idade. A primeira vez que a ouvimos é numa consulta de psicoterapia onde fala sobre esta sensação de não ter sido desejada, cuidada, acarinhada, em criança. E de não o ser ainda, na idade adulta, ao reencontrar a mãe, uma mulher autocentrada, focada na carreira artística onde se alimenta das luzes e da adulação do público, incapaz de ver - de olhar - de se dar ou desejar a filha, que permanece uma estranha diante de si.

A leitura da sua história foi, para mim, muito emotiva, pela forma genuína como se mostra escrita. Lia é uma mulher desinvestida, mal amada, abandonada e por isso, também abandónica de tudo o que faz e a que se dedica. É um retrato realista, duro e muito bem conseguido, que obriga a respirar fundo ao longo da leitura.

A Gertrudes não fez perguntas, deixou-me chorar à vontade. Às vezes é tudo o que precisamos, certo? Alguém que não faça perguntas, que nos deixe lamentar à vontade sem nos julgar, se estamos certos ou errados, alguém que não tenha solução nem panaceia, nenhum elixir mágico para a nossa tristeza. Alguém que consiga abarcar a nossa angústia em toda a sua plenitude, ali sentada, a descascar batatas enquanto uma pessoa se desfaz em pedaços.

Também Beatriz, uma mulher em (re)construção - a braços com uma realidade demasiado pesada para a sua frágil e debilitada estrutura - é uma figura cativante, pela sua singular combinação de vulnerabilidade e força. João Tordo parece dotado de uma extraordinária sensibilidade para a construção dos personagens, revelando aquilo que cada um tem de menos visível, nos recantos mais ocultos e bem guardados da alma humana, prendendo-nos neste mergulho hipnótico pelas profundezas de cada um.

Pontuação: 8/10
Sinopse aqui

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