Longe da Multidão (Thomas Hardy)

Longe da Multidão foi a minha primeira experiência com Thomas Hardy. Há muito que desejava ter lido Tess dos D'Urbervilles, então ausente das livrarias portuguesas - omissão que a Relógio D'Água veio suprir com a edição lançada em 2019.

Creio que foi com algum receio que me lancei na leitura deste livro - tinha terminado o Parque de Mansfield, da Jane Austen (um dos últimos que ainda me restavam desta autora de quem tanto gosto) e queria muito voltar ao período Vitoriano, de onde me custa sempre sair no final de cada romance, pelo que foi uma escolha impulsiva, em modo ressaca, apesar de já o ter na estante há algum tempo.

Os receios depressa se mostraram infundados. Thomas Hardy é um recriador de cenários extraordinário e possuidor de uma mestria inigualável na reprodução de estados anímicos e afectivos. Foi aqui que descobri uma das melhores descrições de paixão de que tenho memória: é não ser capaz de pensar, ouvir ou olhar em mais nenhuma direcção, a não ser uma, sem cair na melancolia, e, nesse caso, não estar a salvo da tortura.

Isto foi dito pelo Sargento Troy, um homem lisonjeador, tão ao jeito da Inglaterra Vitoriana, e tão nefasto nessa precisa época em que as mulheres eram vistas como frágeis presas, sujeitas a cair no logro do terrível predador e a ficarem, a partir daí, perdidas para todo o sempre.

E se por acaso dermos por nós a questionar Mas porque razão ficariam perdidas? Que absurdo é esse de ter caído em desgraça por ter beijado ou - infâmia suprema - se ter deitado com um homem que afinal não a veio a desposar?, talvez não seja por acaso. Na época, eram estas as convenções sociais vigentes, e Hardy procurava denunciar isso mesmo através dos seus romances: a forma como a sociedade se organizava entre si, o tipo de padrões a que cada um obedecia e se submetia de forma acrítica, originando este todo colectivo opressivo, punitivo e castrador - para nós hoje - claramente desajustado e causador de tanto sofrimento.  

Havia algo de tão singular e arrepiante na dor infantil e singela deste apelo, vindo de uma mulher com o calibre e a independência de Bathsheba, que Troy, libertando o pescoço dos seus braços firmes, olhou para ela confuso.

Bathsheba, a protagonista deste romance, vê-se objecto de um amor sincero e devotado por parte de Gabriel Oak (um homem simples e humilde, junto de quem despertou esse sentimento de forma leviana e inconsequente), e do afeto insuflado e galante do Sargento Troy, que pouco mais vê do que a sua necessidade de alimento para um ego insaciável, que vai semeando sofrimento por onde passa.  

A intensidade do sentimento é proporcional à grandeza do carácter e, apesar de todo o seu sofrimento, que não cabia nas forças que tinha, Fanny talvez não tivesse conhecido, num sentido absoluto, a dor que Bathsheba sentiu naquele instante.

Berthsheba é, à semelhança das grandes protagonistas da história da literatura, uma mulher à frente do seu tempo. Perseverante e determinada, não se subsume aos padrões instituídos, exercendo o direito a viver nos seus próprios termos e rejeitando o papel que a sociedade lhe atribuiu. Uma personagem que se ergue tantas vezes quantas aquelas que tomba e sai fortalecida de cada uma dessas vezes. E dá gosto assistir a esse processo, a esta vivência tão bem descrita e abordada por Thomas Hardy.

Pontuação: 9/10
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