Li este livro há já alguns anos e pouco retenho da história, mas aquilo que me ficou e nunca mais esqueci foram sensações. As mais incríveis. A sensação de um calor abrasador, a letargia e languidez dos personagens, uma certa luminosidade que ainda hoje me parece reconhecer nalguns dias de verão...
Polémicas à parte - porque, objectivamente, o enredo é sobre uma relação ilícita (jurídica e moralmente falando) e a todos os níveis condenável - a verdade é que, do ponto de vista literário, estamos perante uma obra prima.
Um livro que consegue incutir no leitor imagens de uma tal vivacidade e intensidade que nos parece, mesmo à distância de muitos anos, que surgem diante de nós como se as tivéssemos visto e sentido na primeira pessoa é, quanto a mim, a expressão máxima da sublime arte literária.
O sol implícito pulsava nos choupos; estávamos fantástica e divinamente sós. Olhei-a, envolta na poalha rósea-dourada, para além do meu prazer controlado, inconsciente dele, alheia a ele, o sol brincava nos seus lábios, e os seus lábios continuavam, aparentemente, a formar as palavras da cantilena Carmen-barmen que já não alcançavam o meu inconsciente.
Vi o filme (de Adrian Lyne) há alguns anos também e - como habitualmente acontece - não reflectia minimamente a densidade da narrativa. Talvez porque, neste caso (como em outros) aquilo que mais impressiona é a descrição do que se passa no interior dos personagens - o que pensam, o que sentem, as lutas que travam interiormente - e isso é difícil de reproduzir em imagem.
A este respeito, José Riço Direitinho observa, na crítica que faz ao último romance de Javier Marías, que a acção narrada torna-se reduzida, algumas cenas descritas parecem quadros ou cenários imóveis, como se fosse necessário parar o tempo para se conseguir perceber melhor a vida. É este efeito de fragmentação da acção, de escrutinação de pequenos segmentos temporais, com um detalhe e uma precisão inusitados que Nabokov também provoca, catapultando-nos para o âmago dos acontecimentos, onde eles realmente acontecem - na sua génese - muito antes de tomarem forma no mundo exterior.
Pontuação: 10/10
Sinopse aqui
Sem comentários:
Enviar um comentário