Pássaros Feridos (Colleen McCullough)

Há tempos alguém me pedia que lhe recomendasse um livro - o que adoro fazer - e enquanto pensava, percorrendo mentalmente os títulos que de imediato me acorrem à memória, ouço esta única indicação: mas que não seja uma história triste! E com isto, todo o meu acervo mnésico colapsou, fiquei em branco...

Não é que não tenha lido já muitos livros de histórias felizes, ligeiras, mas são raros os que se ficam só por aí, e não são seguramente esses que ficam na memória. Talvez por serem aqueles que menos se assemelham à realidade, que nunca é feita exclusivamente de momentos felizes. Talvez não seja sequer maioritariamente feita desses momentos, que - além do mais - são sempre e apenas isso, momentos. Isto foi qualquer coisa que demorei a perceber, e a aceitar.

Scott Peck inicia O Caminho Menos Percorrido - que li há muitos anos - com esta singela consideração: A vida é difícil. E prossegue a partir daí. E isso, esta simples afirmação, foi extremamente libertadora, na altura em que a li. Percebi, finalmente, que não havia nada de anómalo no percurso que estava a fazer. Não se tratava de ter escolhido o caminho da direita, quando porventura devia ter escolhido o da esquerda, ou de estar a fazer qualquer coisa de errado para que tudo me parecesse, de certa forma, mais difícil do que imaginei que deveria ser. Ocorre-me também, a este propósito, um excerto do livro de Manuel Vilas que comentei aqui há dias e que me fez muito sentido:


“Dou-me conta neste instante de que aconteceram grandes coisas na minha vida e, no entanto, carrego um sofrimento profundo. A dor não é de todo um entrave à alegria, tal como eu entendo a dor, pois para mim está vinculada à intensificação da consciência. O sofrimento é uma consciência expandida, que alcança todas as coisas que foram e serão.”

Não basta, porém, uma vida de sofrimento para se alcançar esta consciência (no fundo, para se poder crescer), é preciso pensar sobre ele. Não fugir disso que nos aflige, mas antes, olhá-lo nos olhos, enfrentá-lo e dizer-lhe “Estou aqui, quem és tu e o que queres de mim?”

Pássaros Feridos é também - à semelhança de outros de que tenho falado aqui - um romance triste. É a história de uma família que se fixa num local remoto do interior da Austrália, centrando-se em particular na vida de Meggie, que conhecemos em criança, e vemos crescer - em estatura e em vida interior - e da paixão indómita que desenvolve (como quem contrai uma tuberculose, instalando-se progressiva e lentamente, ganhando raízes profundas, para não mais abandonar o peito em que se hospedou) por um jovem clérigo e como esse sentimento a acompanhará e moldará ao longo de toda a vida.

À semelhança do que dizia acima, Meggie não se limita a sofrer a desdita do destino, a vergar-se ao peso da dor e da frustração. A sua vida é objeto de reflexão, elaboração e luta. Apesar de tudo - e sem querer revelar mais do que devo - é uma história de renúncia, de contenção, mas também de resiliência, de afetos intensos e sublimes. Em todos os meus muitos top 10 de favoritos - que mudam constantemente - este está lá sempre. 


Pontuação: 10/10
Sinopse aqui

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