Em tudo havia beleza (Manuel Vilas)

Manuel Vilas é um autor que vale a pena conhecer. Ao mesmo tempo que recupera imagens esquecidas da realidade espanhola das últimas décadas do século xx, Vilas abre-nos as portas para o seu mundo interior (denso e intrincado como habitualmente estes mundos são, mas ao mesmo tempo simples e elementar, como só o mundo da infância - à qual regressa - consegue ser, especialmente evidenciado na evocação de pormenores, detalhes em que se detém como se nada mais pudesse ocupar o seu campo perceptivo e emocional). 

Acontece-me, por vezes, encontrar semelhanças entre autores de um determinado tempo e espaço (os russos são talvez um exemplo paradigmático). Também aqui encontro pontos de contacto - tanto ao nível dos temas (a perda e o luto), como no tom muito confessional - entre Vilas e Rosa Montero, que tanto prazer me deu ler há bem pouco tempo.

Vilas tem essa mesma escrita que envolve, que acolhe, por via da qual vai desfiando, devagarinho, aquilo que tem para nos dizer, regressando incessantemente aos recessos do passado, do seu mundo afectivo, episódico, individual, relacional e familiar - um mundo simultaneamente tão recuado e tão presente - sem pressas, sem um objectivo definido ou um plano traçado, que não o simples prazer ou necessidade de o fazer. 


«E essa é outra parte fundamental da minha pessoa: toda a vida me acompanhou o receio de ficar louco, de não saber racionalizar as coisas que me aconteciam, de que o caos me atropelasse.»

A
arte - dizia Pessoa - consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação. E é isto que Vilas faz, liberta-nos de nós por momentos, ao transportar-nos para debaixo da sua pele, fazendo-nos mergulhar nas suas reflexões, nas suas memórias - sem porém nos afastar de nós próprios, por força das pontes que lança na nossa direcção, por cada um dos momentos em que nos revemos, encontramos e descobrimos naquilo que escreve. 

«Em criança (devido à minha personalidade em formação ou à minha timidez), eu sofria por não saber encontrar um lugar entre os demais, entre os colegas de escola, pensava sempre no meu pai e na minha mãe, confiando que eles tivessem uma explicação para a minha invisibilidade social. Eles eram os meus protectores e quem guardava o segredo da razão da minha existência, que a mim me escapava.»

Em tudo havia beleza é uma majestosa peça de arte sob a forma escrita. Não daquelas peças tão preciosas, requintadas e frágeis que ficam confinadas a uma existência protegida e assética no interior de uma vitrine, mas daquelas que se podem tocar, sentir e usar no dia-a-dia. 

Pontuação: 9/10 
Sinopse aqui

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