Assim
como há quem escreva de forma sublime sobre o amor, Javier Marías escreve de
forma exímia sobre o desamor. São marcantes os retratos de relações
desapaixonadas, instrumentais, casuais ou fortuitas, que nos apresenta de forma
crua e despida de artifícios.
Relações que podiam ser, como podiam não ser - nunca teria feito muita diferença na vida dos personagens, no seu curso, nos seus afectos, na teia que constitui as suas vidas (a não ser por acidente ou mero acaso) - corpos que se encontram para desfrutar do prazer que podem proporcionar um ao outro, sem grande entusiasmo ou emoção envolvida (com ou sem esforço, nesse sentido, por parte dos protagonistas). Em Berta Isla não é este o tema central, mas está lá, assim como estava - de uma forma mais vincada - nos Enamoramentos, o primeiro livro que li dele.
«Permaneceram juntos pouco menos de uma hora, passando neste tempo de ilusão do anunciado à ligeira melancolia daquilo que recém-sucedido já não deixa recordação nem claro está saudades, e na verdade começou a estar a mais e a esquecer-se enquanto ainda está a acontecer: sexo higiénico e não elaborado (...), sexo apático uma vez consumado.»
Daqui resultam quadros pontuados por alguma tristeza ou melancolia, por vezes até uma certa perplexidade dos protagonistas. É este, pelo menos, o sentimento que sobressai aos meus olhos. Assim como há aqueles que encontram, acima de tudo, a beleza numa tarde cinzenta, fustigada pelo vento e pela chuva, também haverá quem veja aqui a beleza ou mesmo a alegria. A alegria de cada um dispor do seu corpo livremente, de gerir os seus afectos conforme lhe aprouver, porque não?
Igualmente brilhante é a captação das contradições humanas. O querer e o não querer - ao mesmo tempo ou com intervalos muito curtos entre si - e a estupefacção tantas vezes sentida por quem vive essas inflexões e contradições permanentes, velozes, difíceis de apreender ou explicar à luz de uma lógica puramente racional.
Não obstante, Berta Isla é um livro sobre uma mulher que ama e é amada. Sobre uma relação projectada na adolescência, quando, ainda jovem, o casal se conheceu e imaginou, até anos mais tarde, na vida adulta. Uma vida que não era aquela que desejavam, mas que foi aquela que se proporcionou e que ambos - Berta e Tomás, um homem que afirma ter escolhido pouco mais no seu destino, do que a mulher a quem se juntou - aceitaram e viveram, adaptando-se-lhe com todas as suas forças e na medida das suas limitações.
«Divertíamo-nos juntos, apesar das brumas e do nevoeiro que envolviam as nossas vidas. (...) Preferia ter parte dele do que despedir-me, perde-lo de vista definitivamente e que se transformasse numa recordação.»
Javier Marias tem um estilo muito próprio de nos prender à sua escrita, dificultando-nos a decisão de pousar o livro, de fazer uma pausa na leitura, quase como se não quiséssemos interromper o curso do seu pensamento, a reflexão em que se lançou, onde nos embrenhou, e é num ápice que chegamos ao fim, sem darmos conta disso.
Pontuação: 9/10

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