Às vezes penso que já li os melhores livros da minha
vida, aqueles que figurarão para sempre na lista dos meus favoritos, que mais
me inebriaram, arrebataram, etc. É uma ilusão, como outra qualquer.
A Morte em Veneza figura entre esses livros que mais me marcaram até hoje. É um livro pequenino (85 páginas), mas que tem um mundo dentro dele.
«Não há nada mais
estranho e mais melindroso do que a relação entre pessoas que apenas se
conhecem de vista, (...) obrigadas a manter uma aparência de mútua indiferença.
Entre elas reina a inquietação, a curiosidade tensa, a histeria de uma necessidade
de troca insatisfeita e artificialmente reprimida e também uma espécie de
consideração constrangida. Pois, o homem ama e venera o seu próximo, quando não
pode julgá-lo; o desejo é uma criação do conhecimento insuficiente.»
A história é a de um deslumbre - uma paixão insidiosa
- de um homem mais velho que admira (venera) à distância, um jovem rapaz,
inacessível, por força das circunstâncias e das regras do decoro e da moral
comummente aceites. O sentimento, porém, existe e instala-se no íntimo do protagonista,
por muito ou pouco que isso seja conveniente ou do seu agrado.
«Tal noite continha em
si a alegre promessa de um novo dia de sol preenchido pelo lazer suavemente
ordenado e enfeitado por inúmeras possibilidades de agradáveis acasos. (...) Já
se tinha habituado à agradável monotonia desta existência, ao suave esplendor
desta forma de viver. Com efeito, que lugar!»
A narrativa é marcada por uma sensualidade muito
particular, que atravessa todos os sentidos, aguçando cada um deles e
provocando uma espécie de hiperfuncionamento exacerbado, através do qual a
realidade é percepcionada com uma intensidade diferente, ampliada a todos os
níveis (o êxtase da expectativa interiormente acalentada, o deleite dos
pequenos detalhes percebidos, o júbilo do prazer longínquo e meramente
imaginado).
«O seu espírito
conturbado não queria saber nem desejava nada mais do que perseguir sem
descanso o objecto que o encantava, sonhar com ele sempre que estava ausente e
- à maneira dos amantes - dirigir palavras de ternura à sua silhueta. A
solidão, a estranheza e felicidade de um êxtase profundo e tardio,
encorajavam-no e persuadiam-no a permitir-se mesmo o mais extravagante, sem
passar pela vergonha e rubores; de modo que um dia, ao regressar tarde de
Veneza, parou no primeiro andar do hotel à porta do jovem belo e, em pleno
delírio, encostou a testa à dobradiça da porta permanecendo assim durante algum
tempo, sem temer ser surpreendido numa posição tão demente.»
É esse estado de sensibilidade aumentada que Thomas
Mann transmite e que se infiltra em nós ao percorrer estas linhas, fazendo da
leitura uma espécie de experiência imersiva, de certa forma vivida e sentida na
primeira pessoa.
Pontuação: 10/10
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