O Ano da Morte de Ricardo Reis (José Saramago)

Se nos fosse concedido o privilégio de voltar a ler, pela primeira vez, aquele livro que nos marcou de forma tão singular... O impacto seria o mesmo? Desconfio que não. As nossas circunstâncias seriam outras, somos diferentes hoje daquilo que seremos amanhã, pelo que aquilo que nos tocou num determinado período da nossa vida, ressoaria de forma diferente em qualquer outro. Ainda assim, correndo o risco de perder esse impacto tremendo e as marcas indeléveis que me ficaram da leitura deste livro, gostaria de poder pegar-lhe, uma vez mais, sem saber o que estava prestes a encontrar.  

Ricardo Reis sorriu também, com maior demora, disse, Tenho muito gosto, ou qualquer frase parecida com esta, que as há igualmente banais, quotidianas, embora seja caso muito lamentável não gastarmos nós algum tempo a analisá-las, hoje vazias, repisadas, sem brilho em cor, lembrando-nos só de como teriam elas sido ditas e ouvidas nos seus primeiros dias, Será um prazer, Estou todo ao seu dispor, pequenas declarações que fariam hesitar quem as dissesse, pela ousadia, que faziam estremecer de temor e expectativa que as ouvisse, estava-se então  no tempo em que as palavras eram novas e os sentimentos começavam. 

Este foi um dos livros da minha vida, pela sua simplicidade - na escrita, nos cenários, no tempo e no espaço em que decorre (Lisboa dos anos 30, para cujas ruas somos catapultados e onde parece que efectivamente vivemos, depois de termos habitado estas páginas) - e pela forma magnífica como faz ressaltar, no meio dessa simplicidade, o essencial da existência: as relações humanas, os pequenos gestos, os pensamentos mais ínfimos e discretos que insistentemente perfuram a superfície e nos mantêm em contacto connosco, os detalhes em cada coisa que fazemos, sentimos e dizemos. Os momentos singelos, esses de que é composta toda uma vida.   

Ricardo Reis almoçou sem ligar a dietas, ontem foi fraqueza sua, um homem, quando desembarca do mar oceano, é como uma criança, umas vezes procura um ombro de mulher para descansar a cabeça, outras manda vir na taberna copos de vinho até encontrar a felicidade, se lá a puseram antes, outras é como se não tivesse vontade própria, qualquer criado galego lhe diz o que deve comer, uma canjinha é que calhava bem ao combalido estômago de vossa excelência. 

Pontuação: 10/10
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