A arte subtil de saber dizer que se f*da (Mark Manson)

Mark Manson é um sucesso de vendas e não é por acaso. De uma forma simples e descomplicada, coloca-nos perante questões que tomamos por seguras e inabaláveis, verdades adquiridas não sabemos bem onde, nem porquê, capazes de moldar o que pensamos, o que fazemos e até o que sentimos, ao longo de uma vida inteira, de forma quase inquestionada.

Nós sofremos, pela simples razão de que sofrer é biologicamente útil. É o agente preferido pela natureza para inspirar mudança. (...) Estamos programados para nos tornarmos insatisfeitos com o que quer que tenhamos e satisfeitos apenas por aquilo que não temos. Esta constante insatisfação manteve a nossa espécie a lutar e a esforçar-se, a construir e a conquistar.

Estamos sempre a fazer escolhas - mesmo quando não nos apercebemos, o próprio acto de não fazer uma escolha, é uma escolha em si - e essas escolhas têm por base aquilo que (mais) valorizamos. São também esses valores que determinam aquilo que sentimos - felizes ou insatisfeitos - com aquilo que alcançámos e que nos permitem definir para onde queremos ir. Manson descreve um conjunto de valores considerados positivos, que se revelam verdadeiras armadilhas - "o prazer é óptimo, mas é um valor péssimo para se tornar a prioridade da nossa vida" - nas quais tantas (e tantas) vezes caímos.

A tomada de decisões com base na intuição emocional, sem o auxílio da razão para as manter na linha, é quase sempre um disparate. (...) Uma obsessão e investimento excessivo nas emoções falha-nos pela simples razão que as emoções nunca são duráveis. O que nos faz felizes hoje, já não o fará amanhã, porque a nossa biologia precisa sempre de algo mais.

Vale a pena dedicar umas horas no sofá - na praia, nos transportes ou na fila do supermercado - para perceber um pouco melhor sobre o que andamos por aqui a fazer. 

Pontuação: 9/10
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O Ano da Morte de Ricardo Reis (José Saramago)

Se nos fosse concedido o privilégio de voltar a ler, pela primeira vez, aquele livro que nos marcou de forma tão singular... O impacto seria o mesmo? Desconfio que não. As nossas circunstâncias seriam outras, somos diferentes hoje daquilo que seremos amanhã, pelo que aquilo que nos tocou num determinado período da nossa vida, ressoaria de forma diferente em qualquer outro. Ainda assim, correndo o risco de perder esse impacto tremendo e as marcas indeléveis que me ficaram da leitura deste livro, gostaria de poder pegar-lhe, uma vez mais, sem saber o que estava prestes a encontrar.  

Ricardo Reis sorriu também, com maior demora, disse, Tenho muito gosto, ou qualquer frase parecida com esta, que as há igualmente banais, quotidianas, embora seja caso muito lamentável não gastarmos nós algum tempo a analisá-las, hoje vazias, repisadas, sem brilho em cor, lembrando-nos só de como teriam elas sido ditas e ouvidas nos seus primeiros dias, Será um prazer, Estou todo ao seu dispor, pequenas declarações que fariam hesitar quem as dissesse, pela ousadia, que faziam estremecer de temor e expectativa que as ouvisse, estava-se então  no tempo em que as palavras eram novas e os sentimentos começavam. 

Este foi um dos livros da minha vida, pela sua simplicidade - na escrita, nos cenários, no tempo e no espaço em que decorre (Lisboa dos anos 30, para cujas ruas somos catapultados e onde parece que efectivamente vivemos, depois de termos habitado estas páginas) - e pela forma magnífica como faz ressaltar, no meio dessa simplicidade, o essencial da existência: as relações humanas, os pequenos gestos, os pensamentos mais ínfimos e discretos que insistentemente perfuram a superfície e nos mantêm em contacto connosco, os detalhes em cada coisa que fazemos, sentimos e dizemos. Os momentos singelos, esses de que é composta toda uma vida.   

Ricardo Reis almoçou sem ligar a dietas, ontem foi fraqueza sua, um homem, quando desembarca do mar oceano, é como uma criança, umas vezes procura um ombro de mulher para descansar a cabeça, outras manda vir na taberna copos de vinho até encontrar a felicidade, se lá a puseram antes, outras é como se não tivesse vontade própria, qualquer criado galego lhe diz o que deve comer, uma canjinha é que calhava bem ao combalido estômago de vossa excelência. 

Pontuação: 10/10
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E, de repente, a alegria

«Tudo aquilo que amámos e perdemos, que amámos imensamente, que amámos sem saber que um dia nos seria roubado, tudo aquilo que, após a sua perda, não conseguiu destruir-nos - embora tenha insistido com forças sobrenaturais e procurando a nossa ruína com crueldade e afinco - acaba, mais tarde ou mais cedo, transformado em alegria.» 

Manuel Vilas