O Museu da Inocência é a história de uma obsessão. Uma
intrincada e dolorosa história de amor obsessivo - de Kemal por Füsun - como
poucas outras de que tenha memória (a par com O Amor em Tempos de Cólera e a Servidão Humana).
«Praticamente não havia um momento em que não pensasse nela; na verdade, com poucas excepções, não havia um único instante. Estes felizes interlúdios de esquecimento eram fugazes - duravam um ou dois segundos -, e então a lâmpada de negrume tornava a acender-se e a sua sinistra escuridão inundava-me o estômago, as narinas, os pulmões, até eu mal poder respirar, até o simples acto de viver se tornar uma provação.»
Apesar de não ter um único sublinhado - o que
não deixa de ser estranho, num livro de que gostei tanto, apenas explicado pela
voracidade com que o li - é fácil encontrar inúmeras passagens que
justificariam a marca do carvão:
«A vida fugira-me, perdendo toda a cor e sabor que até ali possuía. O poder e autenticidade que eu outrora sentira nas coisas (embora, lamento dize-lo, sem disso me aperceber completamente) desaparecera. (...) Qualquer coisa que fizesse por aqueles dias sem ter a companhia de Füsun era vulgar, ordinária e insignificante, e apenas sentia raiva pelas pessoas e coisas que me tinham conduzido a tal estado.»
No capítulo que Pamuk intitula Sobre a Incapacidade de me Levantar e Sair, Kemal debruça-se sobre a dificuldade de se despedir de Füsun, a cada novo dia - no fundo, sobre a incapacidade de reger a sua própria pessoa, já para não dizer, a sua vontade - que ficou comigo até hoje:
«Quando o meu olhar encontrava o de Füsun eu perdia por completo a noção do tempo, até que finalmente consultava o meu relógio e via que tinham passado não vinte, mas sim quarenta minutos, e dizia "Oh, vejam as horas." Mas ainda assim não me retirava; continuava ali sentado, amaldiçoando-me por ser tão fraco e a minha vergonha e inércia tornavam-se ainda mais profundas, até chegar uma altura em que eram demasiado intensas de suportar.»
Cada paixão, por muito salutar que seja, tem o seu quê de obsessivo. Não precisa de ser patológica, para que esse traço esteja presente nos primórdios dessa vivência avassaladora, pelo que é inevitável revermo-nos, ainda que tenuemente, num ou outro momento - angustiante, delicioso ou constrangedor - da vivência obsessiva, minuciosa e magistralmente descrita por Pamuk.
«Depois de cada encontro com Füsun eu era acometido do inocente desejo de me convencer que o amor que sentia não tinha grande importância; da mesma forma, tentava convencer a minha mãe, sem o dizer realmente, que aquela obsessão - que, de forma cada vez mais evidente, estava a arruinar a minha vida - não era nada de preocupante.»
Este é, sem dúvida, um daqueles livros que gostaria de voltar a ler pela primeira vez. Não sendo possível, e agora que voltei a pegar nele para recolher estas passagens, talvez ignore o volume de livros que tenho na estante por ler e pegue neste para uma segunda incursão.
Sinopse aqui

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