O Demónio da Depressão (Andrew Solomon)

Andrew Solomon foi um dos autores de não ficção que mais gostei de ler nos últimos anos. O Demónio da Depressão começa com uma afirmação tremenda, ao dizer que a depressão é a imperfeição do amor e prossegue dizendo:

Para sermos criaturas que amamos, temos de ser criaturas capazes de desesperar com o que perdemos, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando surge, degrada o indivíduo e acaba por eclipsar a capacidade de dar ou receber afeto. É a solidão dentro de nós que se manifesta e que destrói não só as nossas ligações aos outros como a capacidade de estarmos em paz com nós mesmos. O amor, apesar de não ser profilático contra a depressão, é o que ampara a mente e a protege dela mesma.

O livro, redigido com uma sensibilidade extraordinária e uma beleza invulgar, tem por base um sem número de testemunhos que o autor - ele próprio vítima de depressão durante toda a sua vida - recolhe junto de diversas pessoas que viveram ou acompanharam de perto processos depressivos graves.

 A vida está repleta de tristezas: façamos o que fizermos, acabamos por morrer; todos estamos aprisionados na solidão de um corpo autónomo, o tempo passa, e o que foi não voltará a ser.

Ao longo de diversos capítulos, o autor revela não só o lado negativo da doença - como foi vivido - mas também o outro lado, como foi ultrapassado (ou gerido) em cada um dos casos, revelando pequenas nuances que fazem a diferença entre viver com depressão ou ser vivido por ela, e termina com uma extensa investigação sobre os diversos tratamentos e abordagens actualmente disponíveis. Tudo num tom muito intimista, despretensioso e exaustivo, sem nunca ser - apesar das suas 816 páginas – minimamente extenuante.

Pontuação: 9/10
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Viajante à Luz da Lua (Antal Szerb)

Viajante à Luz da Lua é um livro que tem de ser lido. As primeiras páginas começam com um registo de intimidade, uma espécie de confidência, que nos prende e cativa, acompanhando-nos ao longo de toda a narrativa. Percebe-se, desde a primeira linha, que algo não está bem, e é sobre isso que o narrador nos vai falar.

Há uma espécie de mau prenúncio no início desta viagem a Itália - onde onde o narrador se encontra em lua-de-mel com a mulher, Erzsi - ao mesmo tempo que percebemos um forte pulsar de vida, um recrudescimento de qualquer coisa no íntimo do protagonista, despertada por aquelas ruas, por aquele ambiente específico que o agarra, desencaminha e inebria, ainda não sabemos bem porquê.

Este estado de consciência alterada leva Mihály - o protagonista - a seguir por um caminho de descoberta de si próprio, do mundo à sua volta, do passado e da juventude perdida.

«Permaneceram calados durante muito tempo. Mihály tentava compreender Ervin. A única explicação era ter apagado tudo dentro dele. Obrigado a romper com todos, sem dúvida que arrancara desde a raiz da sua alma os sentimentos que o poderiam ligar aos outros. Agora já não sofria, estava ali vazio, estéril, austero, em cima do monte... Estremeceu.»

É uma viagem intensa, inebriante, múltipla e profunda, que temos o privilégio de acompanhar pela mão deste romancista húngaro, que traz ecos de Sándor Márai (seu conterrâneo e contemporâneo), ao mesmo tempo que faz lembrar O Fio da Navalha, de Somerset Maugham.

Pontuação: 8/10
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Cinzas (Grazia Deledda)

 
Cinzas é o terceiro romance que leio desta autora, que descobri no meu grupo de leitura - talvez uma das melhores formas de descobrir um livro, quando nada sabemos sobre ele e começamos a ler sem quaisquer expectativas - e, cada um deles, foi sempre uma absoluta e maravilhosa surpresa. 

Escrito com uma beleza e intensidade sublimes, a autora pega-nos pela mão e leva-nos a conhecer a vida e a realidade dos seus personagens – descritos com uma densidade psicológica magistral – que acompanhamos como se estivéssemos ali, ao lado deles, a assistir ao desenrolar de uma existência dramática, pungente e feroz, no cenário aparentemente tão longínquo e comovente da Sardenha rural no início do séc. xx.

São várias as passagens que poderia destacar, mas deixo estas que me tocaram especialmente: 

«Oprimida pela solidão e pela miséria, Oli amava o rapaz, por ele representar os objetos e as terras maravilhosas que vira, a cidade onde estivera, o rico patrão que servia, os fantásticos desígnios que ia formando para o futuro; e ele amava Oli porque era linda e ardente. Ambos inconscientes, primitivos, impulsivos e egoístas, amavam-se por exuberância de vida e por necessidade de prazer.»  

E um pouco mais adiante:

«Pela primeira vez, Margherita, já certa de que podia abandonar-se sem medo ou remorsos ao amor do belo rapaz que por ela enlouquecia, mostrou-se apaixonada e ardente, como Anania não ousava sonhá-la sequer: e ele saiu da entrevista a cambalear, cego e fora do mundo.»

É um livro que nos abala, que mexe com a nossa estrutura e fica connosco. 

Pontuação: 10/10
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