A Balada do Medo (Norberto Morais)


A Balada do Medo foi a minha estreia com Norberto Morais, de que já muito ouvira falar a propósito de O Pecado de Porto Negro e revelou-se uma leitura magnética e compulsiva. Lembrando de certa forma o realismo mágico de Garcia Marquez, o autor evoca cenários de uma América Latina perdida nos confins da nossa memória imaginativa, transportando-nos para um mundo envolvente e fantasioso. 

O conflito armado cobrira o país de viúvas jovens e noivas por casar. E era tal a oferta e tanta a carência, que não fora difícil a Cornélio, homem de poucos predicados, lograr conquistas por onde passava. Modesto de charme e beleza natural, valia-lhe a finura do trato e um palrar meloso e atrevido, que, a par com a carência das escolhidas - para as quais tinha olhos de puma -, bastavam para a conquista.

Cornélio Pentecostes, um homem que a tantas mulheres se deu, que acabou por não se dar a nenhuma, vive consumido pela angústia da sua morte aparentemente encomendada e eminente. Dividido entre o desejo de prorrogar por um dia mais a terrível fatalidade e a incapacidade de desfrutar desses que são provavelmente os seus últimos dias, Cornélio arrasta-se pela sua aldeia natal num sem fim de lucubrações e hesitações, decisões e indecisões, ruminações e contradições várias. 

Nas horas solitárias pensava em Mariana, mas todas as noites o último bater do seu coração, antes de adormecer, pertencia, saudoso e culpado, a Rosa Cabrera. E, para não cometer a loucura de se perder, foi aos poucos afastando dela o sentido; enxotando para longe o pensamento que a procurava, até esta se tornar uma imagem perfeita eternizada no âmbar da memória. 

Devorado pela dúvida, Cornélio acaba por escolher um caminho que o obriga a virar costas ao mundo que afinal era o seu - que gentilmente o acolhia e amparava - catapultando-o para um lugar ao qual julgara não mais voltar, onde se confronta com um passado que nele persiste com a mesma força com que doze anos antes o deixara para trás. 

Bem o pressentimento lhe dissera não dever ter ido ali, matar a fantasia, acabar com o que em si ainda brilhava de esperança no amor sincero. Porque nunca ouvia ele a voz da razão? Porque insistia em ir?»    

Pontuação: 8/10
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Um homem apaixonado: A Minha Luta 2 (Karl Ove Knausgärd)

Neste que é o segundo livro da saga autobiográfica que se iniciou com A Morte do Pai, Karl Ove é um homem em ruptura.

«Toda a beleza existente no mundo, que deveria ser insuportável de tão grande, deixava-me simplesmente indiferente. A minha vida deixava-me indiferente. Era assim - e havia tanto tempo que era assim que não fui capaz de aguentar mais e decidira, portanto, fazer alguma coisa.»

É neste estado de alma que Karl Ove parte para a Suécia, sem outro plano definido que não seja o de virar costas a tudo aquilo que o conduziu aqui.

«Aos quarenta anos, a vida até então vivida, sempre a título provisório, transformava-se pela primeira vez na própria vida (...). Aos quarenta anos, compreendia-se que tudo estava só onde se estava, na vida quotidiana banal, sob a sua forma definida, e que as coisas continuariam a ser para sempre iguais, a menos que se fizesse alguma coisa em contrário.»  

Em Estocolmo descobre um mundo de possibilidades e experimenta uma sensação de liberdade há muito esquecida, originando um misto de estranheza e inebriamento. Nesse contexto, reencontra Linda, uma figura do passado por quem tiveram uma paixão fugaz, mas não correspondida. Este reencontro dará lugar a um novo capítulo na sua história. Um capítulo que, à semelhança de tudo o mais que fomos conhecendo da vida do autor, nada tem de simples ou linear.

«Mantive-me durante tida a minha vida adulta distante das outras pessoas, foi a maneira que arranjei para me defender, uma vez que me sinto tão espantosamente próximo dos outros nos meus pensamentos e sentimentos que basta que eles me ignorem ou me dêem pouca importância para que uma tempestade rebente dentro de mim»

Se ocasionalmente a densidade da escrita se revelou difícil de transpor - fruto de algum excesso de pormenor na descrição de determinados momentos que, por vezes, se torna fastidioso - valeu a pena para chegar até aqui.

Pontuação: 8/10

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(In)Fidelidade (Esther Perel)


Esther Perel - autora de Amor e Desejo na Relação Conjugal que  lera há alguns anos - tem uma forma brilhante de pensar e debruçar-se sobre as relações humanas, em particular a relação de casal. Longe da visão monocromática, redutora e moralista com que estes temas são muitas vezes abordados, Perel procura compreender o que está por trás do fenómeno, o que impele o ser humano para a vivência de qualquer coisa que pode ser tão desestruturante e causadora de tanto sofrimento.

Atualmente, a discussão em torno dos casos extraconjugais tende a ser fraturante, sentenciosa e míope. Embora a nossa cultura esteja cada vez mais aberta ao sexo, a infidelidade continua envolta numa nuvem de vergonha e secretismo. (...) As crenças sobre a infidelidade estão bem enraizadas na nossa psique cultural e questiona-las será certamente visto por alguns como irreverência perigosa ou bússula moral avariada da minha parte. 

Não condenar não significa aprovar e existe uma grande diferença entre compreender e justificar, mas quando reduzimos a conversa a simples juízos de valor, ficamos sem nada para debater, prossegue a autora, como ponto de partida para este exercício basilar que a psicologia desempenha como nenhum outro ramo do conhecimento, de para tudo olhar sem julgamento ou apriorismos morais, numa tentativa genuína de procurar significados e motivações, não só no intuito de compreender a infidelidade, mas também de extrair conclusões que permitam repensar o amor e as relações

A precipitação em optar pelo divórcio não dá margem ao erro, à fragilidade humana. Também não dá margem ao processo de reparação, superação e recuperação.

Não sendo um livro de ficção, a verdade é que se lê como tal, pela forma cuidada, inteligente e cativante como a autora vai desvendando o que se esconde a coberto de uma realidade tão censurável e universalmente praticada ao longo de toda a história da humanidade.

Por vezes, quando buscamos o olhar de outra pessoa, não é ao nosso companheiro que viramos costas, mas à pessoa em que nos tornámos. Mais do que um novo amante, procuramos encontrar uma outra versão de nós próprios. 

Pontuação: 9/10 
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O Melhor de 2019



É difícil eleger o livro de que mais se gostou ao longo de um ano. Há um punhado deles que se destacam para este lugar: Eliete, Um Gentleman em Moscovo, Berta Isla… Não obstante, e porque a vida é feita de escolhas, Em Tudo Havia Beleza terá sido aquele que mais me marcou, de entre tudo o que li em 2019:

1.      Como Pensar Mais Sobre Sexo (Alain de Botton)
2.      A ridícula ideia de não voltar a ver-te (Rosa Montero)
3.      Berta Isla (Javier Marias)
4.      Em Tudo Havia Beleza (Manuel Vilas)
5.      Cadernos do Subterrâneo (Fiódor Dostoiévski)
6.      A Equação da Felicidade (Mo Gawdat)
7.      Minha Ántonia (Willa Cather)
8.      As Grandes Cartas de Amor (Editora Guerra & Paz)
9.      Depois de Tu Partires (Maggie O'Farrell)
10.  Vida Desfeita (Sonali Deraniyagala)
11.  Eliete (Dulce Maria Cardoso)
12.  Seda (Alessandro Baricco)
13.  A Escolha (Kristin Hannah)
14.  O Chão dos Pardais (Dulce Maria Cardoso)
15.  Ethan Frome (Edith Wharton)
16.  São Lágrimas, Senhor, São Lágrimas (Fernando Correia)
17.  A Casa de Papel (Carlos María Domínguez)
18.  A arte de não amargar a vida (Rafael Santandreu)
19.  A Vida em Exame (Stephen Grosz)
20.  A Única História (Julian Barnes)
21.  A Louca da Casa (Rosa Montero)
23.  Serotonina (Michel Houellebecq)
24.  Perder para Ganhar (Montse Barderi)
26.  Tempos Difíceis (Charles Dickens)
27.  E Então Vais Entender (Claudio Magris)
28.  12 Regras para a Vida (Jordan B. Peterson)
29.  Tess dos D’Urbervilles (Thomas Hardy)
30.  O Voo do Corvo (Juliet Marillier)
31.  Luz Antiga (John Banville)
32.  Os Meus Sentimentos (Dulce Maria Cardoso)
33.  Princípio de Karenina (Afonso Cruz)
34.  Um Gentleman em Moscovo (Amor Towles)
35.  Na Urgência (Joana Benard Costa)
36.  A Voz (Juliet Marillier)
37.  A Morte do Pai (Karl Ove Knausgård)
38.  Porque Amamos (Helen Fisher)
39.  (In)fidelidade (Esther Perel)