Um Gentleman em Moscovo (Amor Towles)
O tipo de labuta que exige uma entrega fervorosa, devota e absoluta, rejeitando e reprimindo quaisquer outros modos de ser ou estar, não vá a dúvida - ou a constatação - de um certo tolhimento ou pequenez instalar-se e fazer colapsar todo um mundo de convicções, dedicação, entrega e sacrifício.
Vyshinski: Qual é a sua profissão?Rostov: Um cavalheiro não tem profissão.Vyshinski: Muito bem. Então, como é que ocupa o seu tempo?Rostov: Com jantares, conversas, leituras, reflexão. O habitual.
Condenado pela publicação de um poema, nos primeiros anos do regime Soviético, a viver no interior do Hotel Metropol, onde anteriormente ocupava uma suite de luxo, o Conde Rostov é remetido para um pequeno quarto de arrumos no sótão, onde passará longos anos a partir de então. Em todo esse tempo Rostov nunca perde o domínio - inequívoco e inabalável - sobre si próprio e a sua individualidade. Nenhuma centelha de raiva ou de revolta se vislumbra no seu comportamento, no seu pensamento, na postura que mantém ao longo de anos de subjugação, a que opõe uma absoluta liberdade interior, numa demonstração clara de que nós não somos as nossas circunstâncias, mas aquilo que escolhemos fazer delas.
Simultaneamente, e contrastando com esta visão alheada dos acontecimentos exteriores, há uma voz de fundo que nos vai dando nota de todas as pequenas e grandes contradições do desejo e da ambição (política, social e individual) que tragicamente se atropelaram na tentativa de implementação de uma revolução. Uma revolução feita por homens, incongruentes e imperfeitos, como todos os homens são.
Pontuação: 9/10
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A Morte do Pai: A Minha Luta: 1 (Karl Ove Knausgärd)
A natureza humana continua a ser, para mim, uma fonte inesgotável de interesse e atracção. Há coisas que intuímos em nós, mas que nem sempre passa disso, um ténue vislumbre intuitivo. Outras, nem chega a tanto. A percepção clara e inequívoca de toda uma infinidade de modos de ser ou estar, de sentir, de pensar, de viver, chega-nos pela voz de terceiros.
A escrita autobiográfica, quando efectivamente genuína e lúcida, torna-se uma das vias mais interessantes de conhecer essa imensidão de mundos subjectivos. Neste que é o primeiro de seis volumes, Carl Ove - que aqui se dá a conhecer de forma honesta e crua - faz uma incursão pelo período da sua infância (fria e solitária) da juventude (as descobertas e experiências iniciáticas, a par com a perda das primeiras ilusões) e entrada na idade adulta.
A morte do pai, que ocupa neste livro um lugar central, relança o olhar sobre as relações familiares do passado, agora vistas numa perspectiva adulta e um pouco mais esclarecida - por oposição ao misto de confusão e receio que toldava o olhar no tempo em que foram vividas - um emaranhado de laços soltos, desconexos e arredios que Ove esforçadamente procura compreender.
Pontuação: 8/10
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E ali estava eu, a desempenhar papéis, a fingir isto e aquilo. (...) O pouco que tinha de meu, renegava-o ou guardava-o para mim mesmo. Havia, por conseguinte, algo de furtivo e duvidoso no meu carácter, não tinha nenhum dos atributos sólidos que encontrei em certas pessoas durante essa época, pessoas que, por essa razão, admirava.
A escrita autobiográfica, quando efectivamente genuína e lúcida, torna-se uma das vias mais interessantes de conhecer essa imensidão de mundos subjectivos. Neste que é o primeiro de seis volumes, Carl Ove - que aqui se dá a conhecer de forma honesta e crua - faz uma incursão pelo período da sua infância (fria e solitária) da juventude (as descobertas e experiências iniciáticas, a par com a perda das primeiras ilusões) e entrada na idade adulta.
Quando chegava a casa, interpretava tudo o que ela dissera e fizera na escola, e isso enviava-me para a mais profunda miséria ou para o mais elevado pico de excitação - não havia meio termo.
A morte do pai, que ocupa neste livro um lugar central, relança o olhar sobre as relações familiares do passado, agora vistas numa perspectiva adulta e um pouco mais esclarecida - por oposição ao misto de confusão e receio que toldava o olhar no tempo em que foram vividas - um emaranhado de laços soltos, desconexos e arredios que Ove esforçadamente procura compreender.
Ele dissera muitas vezes que o nosso pai lhe arrasara por completo a auto-estima em muitas ocasiões, que o humilhara como só ele conseguia fazer, e que isso influenciara alguns períodos da sua vida em que se sentia um inútil e incapaz de fazer fosse o que fosse. Noutros períodos, tudo corria bem, tudo fluía, não havia dúvidas. Para quem estava de fora, só estes últimos eram visíveis.
Pontuação: 8/10
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