O Monte dos Vendavais (Emily Brontë)

O Monte dos Vendavais - também traduzido como Alto dos Vendavais - foi talvez uma das histórias de amor mais intensas, bonitas e perturbadoras que já li.  

Passado nas charnecas inóspitas do norte de Inglaterra, relata a história do órfão
 Heathcliff - acolhido em criança pelo patriarca da família Earnshaw - e da jovem Catherine Earnshaw, que cedo desenvolve uma afeição especial por este ser amargo e bravio, afeição em tudo correspondida por Heathcliff, desde então, de forma tão violenta quanto o seu carácter tempestuoso faria prever. 

Os meus grandes desgostos neste mundo foram os desgostos do Heathcliff, e eu acompanhei e senti cada um deles desde o início; é ele que me mantém viva. Se tudo o mais perecesse e ele ficasse, eu continuaria, mesmo assim, a existir; e, se tudo o mais ficasse e ele fosse aniquilado, o universo tornar-se-ia para mim numa vastidão desconhecida, a que eu não teria a sensação de pertencer. (...) Ele está sempre, sempre, no meu pensamento. Não por prazer, mas como parte de mim mesma, como eu própria.

Apartados pelo destino, que não se tece exclusivamente por linhas de amor e paixão, onde intervêm também as diferenças sociais, 
ambições, expectativas e conveniências (próprias e de terceiros), Catherine e Heathcliff seguem caminhos distintos, permanecendo, no entanto, ligados num emaranhado de laços - por vezes demasiado apertados - que percorrem todo o espectro das emoções humanas: amor e ódio, apaziguamento e zanga, admiração e repulsa, revolta e reconciliação. Laços que conduzirão a um percurso sinuoso e destrutivo que acompanhamos ora enternecidos ora horrorizados, mas nunca indiferentes ou entediados. 

Nem que ele a amasse com toda a força da sua vil existência, seria capaz de a amar tanto em oitenta anos como eu num só dia. Catherine tem um coração tão profundo como o meu. Seria mais fácil meter o mar dentro de uma selha, que toda a afeição dela ser monopolizada por ele. 

Trata-se do primeiro e único romance de Emily Brontë, publicado em 1847 - altura em que causou alguma celeuma pela rudeza e brutalidade de algumas cenas e personagens - e que perdura até hoje como um clássico de uma beleza e intensidades difíceis de igualar.  

Pontuação: 10/10
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Os Meus Sentimentos (Dulce Maria Cardoso)

Dulce Maria Cardoso transporta-nos para o emaranhado de pensamentos que habitam o interior de pessoas banais. Que pessoas são estas? Somos todos nós, que vivemos fora das telas do cinema e das páginas dos romances vitorianos. 

A voz da mulher é tão irritante, quando namoravam não podia ter aquela voz, ninguém se engana tanto, além da voz irritante a mulher tem o irritante hábito de não parar de falar.

Pensamentos que fluem como gotas de chuva que escorrem sem que ninguém as trave, pelos vidros de uma janela - os maiores, mais bonitos e eloquentes pensamentos, assim como os mais miudinhos, mais disformes, mais improváveis e inconvenientes. É desta diversidade de cores que são feitos os personagens que habitam os seus romances, gente que se arrasta por vidas baças, sem glória, com o mesmo júbilo de quem vive no auge do esplendor. 

O funcionário tem um tipo de humor que os colegas nunca apreciaram e que o torna ainda mais sozinho, o funcionário olha para a chuva que não pára, há muito que tem os pensamentos como a única coisa que verdadeiramente possui (...) 

É talvez esta a grande capacidade de Dulce Maria Cardoso, pegar em matéria vulgar e transforma-la em literatura. É também a miséria humana e moral que encontramos aqui - tantas vezes oculta no interior de fachadas reluzentes - por via de minuciosos detalhes da decadência de uma sociedade bafienta, cujo estatuto e privilégios se eclipsaram com a deposição do antigo regime. 

Tendo começado por "Eliete" - último romance da autora - tenho de reconhecer que as expectativas estavam demasiado elevadas, e que esta segunda incursão pelo universo de Dulce Maria Cardoso ficou um pouco aquém do esperado, no que apontaria, porventura, uma tónica excessiva na arte ruminativa. 

Pontuação: 6/10
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Alain de Botton


«Não era assim tão difícil concentrarmo-nos na leitura dos contos de Chekhov à luz da vela, quando a única diversão disponível era conversar com um vizinho que vivia à distancia de 20 minutos a pé.»

In "Como Pensar Mais Sobre Sexo"

Tess dos D'Urbervilles (Thomas Hardy)

Thomas Hardy, neste que é um dos seus mais aclamados romances, retoma o tema tão premente - à época, assim como ainda hoje - do moralismo, do preconceito e das convenções sociais. Tess, filha mais velha de um casal de camponeses pouco afortunados e com mais umas tantas bocas para alimentar, empurram a filha para casa de uma suposta parente, onde encontra trabalho e abrigo. Aí encontra também um homem sem escrúpulos, que a persegue e assedia, regressando à casa paterna, quatro meses mais tarde, sem a inocência com que partira.

Sabia identificar na perfeição aquele momento preciso do entardecer em que a luz e escuridão estão de tal forma calibradas entre si que o retraimento do dia e o avançar ainda incerto da noite acabam por se neutralizar mutuamente, projetando no espírito uma sensação de absoluta liberdade. É então que o fardo de se estar vivo sofre uma considerável atenuação, reduzindo-se ao mínimo necessário. 

Tess vê-se assim na condição desditosa de mulher maculada, num tempo em que esse infortúnio representava uma marca irremediável e permanente na vida de qualquer mulher. Essa vivência irá moldar de forma irrevogável o seu destino, as suas vivências - tanto no mundo exterior como no seu interior - tão bem captadas por Hardy:

É possível que Tess se tenha apercebido a determinada altura de que o que a deixava tão cabisbaixa - a preocupação com o que os outros poderiam pensar da sua situação - resultava de uma ilusão da sua parte. Só aos seus próprios olhos é que ela era uma existência, uma experiência, uma paixão, uma estrutura de emoções. No que ao resto dos mortais dizia respeito, não passava de uma ideia passageira. 

Tess procura ultrapassar essa dolorosa experiência, fugindo do estigma e dos olhares acusadores, mas o pior crítico é aquele que habita no interior de cada um de nós, que nos acompanha para onde quer que se vá, sem hipótese de fuga possível.

O relógio fez soar solenemente uma hora da madrugada, essa hora em que o pensamento cresce e extravasa a razão, e quando uma série de possibilidades malignas começam a ganhar fundamento, até se tornarem factos inabalaveis. 

Pontuação: 8/10
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