Servidão Humana (Somerset Maugham)

Para Espinosa a servidão era a impotência do ser humano para governar ou restringir as suas emoções: o homem submetido aos afetos é impotente para regulá-los, está ao sabor do vento, incapaz de dosar, ordenar os afetos aos quais, por fim, se submeteÉ esta a origem do título deste romance magistral de Somerset Maugham, onde acompanhamos a vida de Philip Carey, desde os primeiros anos - uma criança franzina, solitária, insegura, entregue aos cuidados de um tio vigário, austero e frio - até à idade adulta, altura em que tropeça numa jovem camareira, sedutora e ambiciosa, que o priva da liberdade singular sobre si próprio

Sendo embora um homem adulto e esclarecido, Philip torna-se um joguete nas mãos caprichosas desta mulher que não o quer, mas não o liberta do jugo férreo em que o retém, gravitado à sua volta, na expectativa de qualquer coisa que de lá não vem.  

Era-lhe divertido pensar que os amigos o consideravam um espírito forte, um ser reflectido e calmo, simplesmente porque o seu rosto não lhes revelava os sentimentos com muita expressão e porque era lento nos gestos. Achavam-no razoável e elogiavam-lhe o bom senso. A sua expressão plácida, porém, não era mais do que uma máscara, usada inconscientemente (...) e frequentemente se admirava da fraqueza da sua vontade. Parecia-lhe que a menor comoção o movia como o vento move as folhas, e, quando a paixão o arrastava, sentia-se impotente. 

Uma história de vida, como tantas outras, marcada por momentos de escuridão, dúvida, revolta e desespero, ponteada pelo despertar da consciência - de si próprio e dos outros - pela determinação para abrir mão de desejos tão arreigados quanto nefastos, para abandonar caminhos há muito calcorreados e descobrir novos trilhos possíveis. Ao longo desse processo, Philip observa e reflecte sobre o mundo à sua volta, de forma única e profunda. 

A má alimentação e as condições insalubres de existência reflectiam-se nas faces descoradas. Interesses mesquinhos embruteciam-lhes as feições, e os olhos eram astutos e fugidios. O aspecto desses entes não traduzia nobreza alguma, sentindo-se que, para a maioria deles, a vida era uma série de preocupações insignificantes e de pensamentos abjectos.

Estes são as linhas gerais que recordo da história. Mas mais importante do que isso, o que retenho e faz deste livro uma verdadeira obra prima, é a sensação de ter visto o mundo pelos olhos de Philip - desde as costuras do conservadorismo britânico à desregrada vida boémia de Paris - de ter sentido na pele todas as emoções e conflitos interiores - as ilusões e as desilusões, as angústias e arrebatamentos - tudo aquilo que viveu e sentiu ao longo do percurso assombroso que acompanhamos nas páginas deste romance. É a sensação de ter vivido uma vida que não era a minha (nunca poderia ser) de um ser humano absolutamente extraordinário - com todas as suas limitações, fraquezas, vulnerabilidades e imperfeições - que a despeito dos muitos obstáculos e adversidades que se lhe atravessam no caminho, não desiste de encontrar o seu lugar no mundo. 

Pontuação: 10/10
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